sexta-feira, 24 de maio de 2024

23 DE MAIO – DIA DA JUVENTUDE CONSTITUCIONALISTA.

 


 Honras e glória aos jovens e participantes da manifestação popular, realizada no dia 23 de maio de 1932, em defesa dos seus direitos e liberdades.

 


23 de Maio.

 

À tarde de 23 de maio, data que se eternizaria na história paulista, a cidade regurgitou novamente. Homens e mulheres, famílias inteiras acotovelavam-se nas ruas centrais, enquanto outras replenavam as sacadas dos prédios convizinhos. Aqui e ali, discursos em improvisados comícios. Eram bandeiras que se desfraldavam, eram clamores uníssonos; eram aclamações ruidosas. Tudo sem rumo, sem organização, sem destino. Até que, a tantas, a multidão se deslocou pelo Viaduto do Chá. Mas ela era muita – e ainda muito mais gente veio replenar a Praça do Patriarca. Falou-se em oitenta, cem mil pessoas...

O certo é que daí a pouco, já todos sabiam que o povo se destinava ao Palácio dos Campos Elísios, onde ocorriam as negociações: Morato, em nome da Frente Única, apresentava a Pedro de Toledo a lista dos novos secretários. De passagem pela rua Conselheiro Crispiniano, novas manifestações de confraternização verificavam-se em frente ao Quartel General do Exército. E o cortejo prosseguiu até a residência que fora de Elias Chaves. Os portões estavam fechados. Quando soube do que se passava, Pedro de Toledo determinou que se franqueasse ao povo a entrada nos jardins circundantes da casa do governo.

O povo mandava dizer ao Interventor que desejava saber em que pé estavam as negociações. Altino Arantes, entre aclamações, informava que, dentro de alguns instantes, seria anunciado o novo secretariado. Carregado por admiradores, chega Ibrahim Nobre, cuja ausência dera lugar à suspeita de ciladas.

Assim, já os relógios marcavam 19 horas quando Morato assomou à sacada para anunciar a composição do novo secretariado: Waldemar Ferreira, para a pasta da Justiça; Rodrigues Alves Sobrinho, Educação e Saúde; Fonseca Teles, Viação; Francisco Junqueira, Agricultura; Armando de Salles Oliveira, Fazenda; Joaquim Sampaio Vidal, Departamento das Municipalidades; Godofredo da Silva Telles, Prefeitura da Capital.

Aplausos e aclamações quase impediam que se ouvissem os nomes proclamados. Mas o povo vibrava e reclamava posse imediata aos novos secretários. Ninguém mais podia confiar nas autoridades federais, pois, a qualquer momento, poderiam urdir ciladas ou promover violências. Ademais, cumpria assegurar a vitória. Pedro de Toledo acede, contanto que o primeiro empossado fosse, como era norma, o secretário da Justiça. Afinal, presente o secretário Silva Gordo, a quem caberia transmitir o cargo, resolveu-se que o ato se realizaria na sede da secretaria da Justiça, no largo hoje chamado de Pátio do Colégio. A comunicação ao povo foi feita por Morato que termina com estas palavras: - O Estado de São Paulo reafirma na data redentora de hoje o gênio e ânimo invicto dos filhos de Piratininga. E convidou os presentes para a solenidade.

 

Na cidade, em polvorosa.

À hora marcada já a multidão se deslocara do Campos Elísios para a cidade e desbordava dos arredores da secretaria, para as ruas adjacentes, com entusiasmo cada vez maior. Havia certa demora na realização da posse: é que o novo e o antigo secretários não estavam presentes ainda. Quando Waldemar Ferreira apontou, o povo abriu-lhe alas para que ele caminhasse avante, com dificuldade, é certo, mas sobranceiro e risonho, agradecendo comovido as manifestações que recebia.

Lá dentro, Silva Gordo assinava os decretos de reforma do General Miguel Costa e do Coronel Juvenal de Campos Castro. E ainda se delongava a cerimônia, porque Silva Gordo não sabia como se apresentar. E, ao que se refere uma testemunha, ele caminhou até a sala da solenidade aos empurrões e apupos, “como nenhum homem público ou privado jamais fora desprestigiado na praça pública”. Silva Gordo conteve-se, tendo dito palavras altas a Waldemar Ferreira, cuja resposta mal se pode ouvir, tal o alarido das aclamações de vitória. A seu antecessor chamou-o honrado e operoso.

Após o ato oficial, surgiu o problema da defesa da pessoa do ex-secretário. Organizou-se uma escolta de alto nível que o conduziu por entre o povo até um prédio próximo, onde o abrigaram até mais tarde, quando, julgado serenada a ira popular, foram busca-lo para conduzi-lo a sua residência, onde chegou com alguns arranhões. Nesta última diligência, foi preciso que Ibrahim Nobre enfrentasse e bradasse em tom imperioso a um magote que pretendeu arrebatar-lhe o prisioneiro.

A Força Pública estava de prontidão, podendo dar-se a qualquer hora um choque fatal com o grupo miguelista. O primeiro ato de Waldemar Ferreira foi nomear o Tenente Júlio Marcondes Salgado comandante interino da milícia. Dois dias depois, era efetivado no comando da Força.

A posse do novo comandante da milícia estadual encontrou certa resistência. O Coronel Herculano de Carvalho pretendia que Miguel Costa assumisse o cargo. O Coronel Joviniano Brandão pretendeu também o comando. A presença de Waldemar Ferreira, calmo e seguro, desfez o equívoco: Marcondes Salgado foi empossado e os oficiais conjurados voltaram à tropa.

Mas o novo secretário ainda não podia saber que o Major Cordeiro de Farias, ainda chefe de polícia, retirara o policiamento das ruas, limitando-se à defesa de seus correligionários ameaçados...A cidade estava entregue aos manifestantes, cuja ação poderia ultrapassar limites de prudência. A ação de vários próceres impediu que os mais exaltados cometessem desatinos.  Não obstante, a massa popular permanecia nas ruas centrais, ameaçadora e violenta. Cerca de 23 horas, não houve conte-los: empastelaram a redação dos jornais A Razão e Correio da Tarde, ateando fogueiras com papeis e móveis e outros materiais jogados pelas janelas.

Logo mais, outro grupo numeroso atravessa o Viaduto do Chá, rumo à Praça da República, para onde deita janelas o prédio nº 70 da Rua Barão de Itapetininga. Era a sede da Legião Revolucionária, havia pouco rotulada de Partido Popular Paulista, “considerado a máquina extremista opressora de São Paulo”. Em chegando até lá a massa do povo, pois o grupo se fora acrescendo no percurso, ouviram-se tiros. O povo não recuou: improvisou barricadas, fazendo parar para esse fim um bonde da Light. Um grupo partiu célere em busca de recursos, assaltando casas de armas no Largo de São Bento, nas ruas Libero Badaró e Boa Vista. Armados e municiados, os moços atiravam contra os adversários. Havia feridos nas calçadas, enquanto crescia o número dos atacantes. Explodiam granadas de mão, mais ruidosas que os tiros. Apagavam-se todas as luzes. Surgiam escadas. O estudante Mario Martins de Almeida subiu por uma delas e já ia alcançando o andar onde se alojavam os adversários, quando, atingido em cheio, caiu e se estatelou na calçada, morto. Outros tombavam – e os estudantes de medicina os socorriam. Um segundo grupo, munido de latas e garrafas de gasolina, procurava incendiar o reduto que resistia. Bombeiros e policiais compareceram, mas foram dispensados. A fuzilaria prosseguia. Os legionários dispunham de fuzis e metralhadoras da Força Pública e se encontravam em posição vantajosa.

O Tenente-Coronel Salgado entrou logo em ação, mandando uma força policial para o local, o mesmo fazendo a II Região Militar. Estabeleceu-se o cerco da quadra. Ao amanhecer do dia 24, os legionários se rendera ao 4º B.C., porque “mais de onze famílias se encontravam nos andares superiores do prédio ameaçado de incêndio pelos atacantes” ...

O tiroteio prosseguia ainda na Praça da República quando, das 3 às 5 horas da madrugada, Waldemar Ferreira, chamado com urgência, conferenciava com Oswaldo Aranha no Quartel General da II Região Militar.

O dia 24 de maio foi um dia triste. Depois daquela noite trágica, quem teria ânimo para o que quer que fosse? Os jornais tardaram a circular. E traziam apelos de paz e concórdia. O Coronel Ávila Lins, comandante interino da II Região Militar, pedia calma ao povo. A Associação Comercial dava por concluído o protesto da classe, que fechara seus estabelecimentos. Pelo meio dia, tomaram posse as novas autoridades. Armando de Salles Oliveira não aceitara a secretaria da Fazenda, porque presidia à Empresa S.A. Estado de São Paulo.

Em toda parte, luto e dor. Já se contavam três mortes: Martins, Miragaia, Camargo, todos de 21 anos. O primeiro, Mario Martins de Almeida estudante de Direito; o segundo, Antonio Américo de Camargo Andrade, casado, com três filhos menores; e Euclides Miragaia, estudante em São José dos Campos, onde foi sepultado à tarde, em meio de pungentes demonstrações de pesar da população toda da cidade. Em São Paulo, o sepultamento de Mario Martins de Almeida, realizado à tarde, na Consolação, constituiu nova demonstração do estado de espírito popular. Milhares de pessoas de todas as classes sociais acompanharam o féretro conduzido a mão por entre alas respeitosas e silenciosas. À passagem pelo lugar em que Mario Martins tombou, os soldados que montavam guarda ao prédio do P.P.P., prestaram a devida continência à bandeira nacional. Do portão à capela do cemitério, alas de senhoras, senhoritas e populares jogavam flores sobre a urna funerária. Ibrahim Nobre, estudantes proferiu o discurso de despedida.

Os hospitais da cidade receberam dezenas de feridos, a bala, identificados como trabalhadores das mais diferentes categorias: um advogado, um copeiro, um açougueiro, estudantes, comerciários, industriários das mais diversas especializações, o que é uma amostra da universalidade dos anseios populares de defesa dos brios de São Paulo. Até então, eram três os mortos. Dentre os recolhidos com vida, porém, mais dois sucumbiriam: Dráusio Marcondes de Souza, a 28 de maio, e, dias depois Amadeu Martins, elevando-se a cinco o número que tombaram heroicamente.

 

 O texto acima é a transcrição de texto de Paulo Nogueira Filho e Pedro Ferraz do Amaral, publicado na Revista da Academia Paulista de Letras. Edição Assinaladora do Septuagésimo Aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932. Julho de 2002.

Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.

 

 

 


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