sábado, 19 de fevereiro de 2022

A EPOPÉIA PAULISTA DE 32, PARTE II.

 

Em 7 de Julho no ano de 1954 a Revista O Mundo Ilustrado publicou uma longa matéria sobre a Revolução Constitucionalista de 1932 incluindo alguns depoimentos de ilustres participantes do Movimento. No ano do 4º Centenário de São Paulo as comemorações de 9 de Julho tiveram um destaque especial sendo consideradas uma das mais grandiosas, segundo seus organizadores. A publicação possui diversas fotografias ilustrativas. Na primeira parte o depoimento de Júlio de Mesquita Filho.

A exaltação a São Paulo, o respeito e o reconhecimento ao Soldado Constitucionalistas são nítidos na publicação e até os dias de hoje, 90 anos após, o povo paulista não esquece seus heróis!

 Pela extensão da matéria publicarei a transcrição em partes.


PARTE II

 

AURELIANO LEITE

Nas vésperas das grandes comemorações do Nove de Julho, em São Paulo, ouvimos a palavra dos mais destacados revolucionários de 32. Aureliano Leite, advogado de renome, homem queridíssimo na terra de Piratininga, também prestou-nos valioso depoimento:

-A razão principal da Revolução de 1932 foi a reivindicação da autonomia paulista, que estava perdida e negada pela ditadura de Vargas. São Paulo, inteligentemente, quis atingir a sua autonomia através da reconstitucionalização geral do país. Daí o nome da Revolução. A ação bélica dos paulistas foi das mais notáveis não no próprio sentido brasileiro. Mas no mundial. Basta dizer-se que São Paulo lutou heroicamente três meses atendendo a que seu preparo foi improvisado, pois nos faltavam armas, munições e soldados. Para provar a bravura e o denodo do paulista, basta dizer-se que em certas frentes chegou-se a camuflar canhões e metralhadoras, improvisando-os com chaminés velhas. Para dar impressão ao inimigo de que a nossa artilharia estava bem municiada, fazíamos estourar bananas de dinamite. Esse truque forçava os aviões legalistas a descarregar suas bombas sobre aqueles falsos canhões. Também motocicletas e matracas eram utilizadas, para fingir rajadas de metralhadoras. Não havia quase munição. Nesse entusiasmo incontido toda a população válida de São Paulo se apresentou para pegar em armas. Há episódios dramáticos, heroicos e dignos de ser contados por todos os poetas. O famoso Túnel da Mantiqueira foi, a meu ver, onde mais se combateu. Sob o comando do bravo General Antônio Paiva de Sampaio uns poucos soldados resistiram heroicamente às constantes investidas do inimigo, cujo número ultrapassava os cinco mil. Um tiro preciso de canhão disparado por um grupo comandado pelo então Major Ary da Rocha Nobrega, sobre um parque de artilharia inimiga, salvou a Revolução. Não fora este fato, e o levante teria durado menos tempo. Quando se pediu o armistício e o então Governador Pedro de Toledo foi deposto, passamos por momentos dolorosos. Os responsáveis pela Revolução, que poderiam ter fugido para o exterior, aguardaram bravamente as represálias da ditadura. Fomos todos presos e deportados. O grande General Euclides de Figueiredo, juntamente com Saldanha da Gama e Paulo Duarte, e mais alguns civis, inconformados com o epílogo do movimento, saíram de São Paulo, a fim de reorganizar forças para continuar a luta. Tomaram um pequeno batelão e saíram mar em fora. Foram presos dias mais tarde, exaustos e famintos, numa praia deserta de Santa Catarina. O ódio de Vargas contra os revolucionários não se aplacou. Todos tiveram seus direitos políticos cassados e foram postos em um navio e mandados para o exílio. Ninguém se lastima, pois, São Paulo conseguiu o que desejava. O sangue paulista não correu em vão. Por tudo isto, tenho que as comemorações do Nove de Julho devem ser extraordinárias.

(- Um cidadão jaguariunense contou-me que nas imediações da Fazenda Florianópolis um morador usou uma motocicleta para enganar tropas governistas que por ali passavam. Esta Fazenda foi também alvo dos aviões vermelhinhos em 1932.)

 

A Cavalaria da Força Pública Paulista teve destacada atuação
no front. Ela se bateu heroicamente contra a ditadura.




O HERÓI DO TÚNEL.

Antônio Paiva de Sampaio é um bravo. Remanescente de Canudos, valente como o que, o chamado Herói do Túnel, embora nascido no Rio Grande do Sul, alistou-se nas fileiras revolucionárias logo na primeira hora do movimento. Neto do famoso General Sampaio, patrono da infantaria brasileira, valente cabo de guerra, herdou de seu avô as qualidades indispensáveis a um verdadeiro soldado. É esse homem extraordinário, hoje encanecido, cercado pelo respeito de seus concidadãos e pelo afeto de seus familiares, no aconchego de seu lar, entre o documentário irrefutável de seus feitos heroicos, volve a vida para o passado e nos fala:

-Depois da Guerra do Paraguai e de Canudos, o maior episódio militar verificado no Brasil foi a resistência do Túnel. Dutra comandava cerca de sete mil homens e do lado de cá eu e meus bravos companheiros não erámos mais de dois mil e quinhentos. Sob verdadeiras chuvas de granadas e balas de fuzil passamos muitos dias e noites. Ninguém deu mostras de fraqueza. Severo Fournier, Saldanha da Gama e João Batista Prado escreveram, com sangue, no Túnel, lindas páginas de heroísmo. João Batista Prado, gravemente ferido, nas bascas da morte, ainda teve forças para dizer – São Paulo merece muito mais. Para dificultar o avanço dos comandados de Dutra colocamos na boca do Túnel uma locomotiva. A tática foi eficiente e provocamos muitas baixas no inimigo. Os meus comandados erram assistidos, a todo instante, pelas damas paulistas. Que mulher extraordinária é a paulista! Cozinhavam, lavavam e cuidavam dos feridos. Sempre com um sorriso a bailar nos lábios fortaleciam os ânimos dos combatentes. Não posso, nem devo citar fatos isolados. Todos foram grandes. Magníficos soldados. Patriotas, valentes, aguerridos e humanos. Orgulho-me de ter comandado um pugilo de homens excepcionais. Perdemos quatrocentos e cinquenta homens. Homens na verdadeira acepção do vocábulo. Que Deus tenha suas almas sob sua santa guarda. O sacrifício desses heróis redundou em algo benéfico para o Brasil. O objetivo foi alcançado e eu vivo feliz por isto.

 





UM SÍMBOLO.

 

Cabeça de neve, olhar cândido, fisionomia calma, o símbolo da mulher paulista continua a praticar o bem no seu recanto morno e acolhedor. Doutora Carlota Pereira Queiróz! Quem não a conhece em São Paulo? Mulher vigorosa, física e moralmente. Apaixonada por seu torrão natal, não mede sacrifícios quando se trata de fazê-lo grande e respeitado. Teve seu prêmio quando eleita Deputada Federal por São Paulo. Eis o seu depoimento:

- A mulher paulista integrou-se imediatamente no movimento revolucionário. Compreendeu o alcance e percebeu a finalidade da Revolução. Colocou-se na retaguarda. Não houve atividade que não tivesse participado. Damas da melhor sociedade, até ao preparo do material bélico emprestaram colaboração eficaz. Os serviços, desde os mais grosseiros foram executados sem vacilações. Isto mostra que a mulher inspirou confiança aos mentores da Revolução. Dentro de suas possibilidades lutou sem esmorecimento! Até nas trincheiras ela esteve. D. Stela Sguassabia alistou-se como voluntária. Pegou no fuzil e combateu. É uma magnifica senhora de São João da Boa Vista. Coube-me a honra de dirigir o Departamento de Assistência aos Feridos. Iniciei, nesta oportunidade, o Serviço Social. As senhoras atuavam nos hospitais de sangue. O Departamento por mim dirigido fornecia o necessário aos soldados constitucionalista. Também os mutilados eram devidamente amparados e recebiam conforto moral. Grandes dias vivemos! Quanta dedicação! O Brasil todo deve se orgulhar da Revolução paulista. As demonstrações de amor à nossa causa eram constantes e comoventes. Certa feita, uma senhora de cor, pobremente trajada compareceu ao Departamento e ofereceu-se para cooperar. Não tinha dinheiro para ajudar São Paulo, mas comprara um pacote de cigarros para os soldados. Era pobre, mas com sacrifício continuaria ajudando. Outra, também de origem modesta, pediu-me que a deixasse ajudar. Não sabia costurar, mas limparia o chão de bom grado. Meu jovem amigo, o Brasil precisa e deve conhecer bem a história da Revolução Paulista. É ela um grande manancial de ensinamentos para a juventude de hoje. As suas páginas gloriosas estão escritas com sangue, sangue de gente valorosa e patriota que se sacrificou por uma causa justa e nobre. Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo não morreram em vão. MMDC significa tanto para São Paulo e para os paulistas, que difícil se torna dizer quanto. Morreram os quatro no dia vinte e três de Maio, na Praça da República. No local em que tombaram varados pelas balas assassinas da ditadura floresce, hoje, uma civilização magnifica, onde o amor ao Brasil se sobrepõe a tudo e a todos.

 

 

A mulher paulista, na confecção do Capacete de Aço, orgulho para o Brasil.



Banda Marcial da Força Pública desfila entoando dobrados marciais.











Médicos da Revolução cercam Júlio de Mesquita Filho.








Fonte.

Revista O Mundo Ilustrado, nº75, 7 de Julho de 1954. (Coleção pessoal).

 

 

Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.


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