Em
7 de Julho no ano de 1954 a Revista O
Mundo Ilustrado publicou uma longa matéria sobre a Revolução
Constitucionalista de 1932 incluindo alguns depoimentos de ilustres
participantes do Movimento. No ano do 4º Centenário de São Paulo as comemorações
de 9 de Julho tiveram um destaque especial sendo consideradas uma das mais
grandiosas, segundo seus organizadores. A publicação possui diversas
fotografias ilustrativas.
A exaltação a São Paulo, o respeito e o reconhecimento ao Soldado Constitucionalistas são nítidos na publicação e até os dias de hoje, 90 anos após, o povo paulista não esquece seus heróis!
Pela extensão da matéria publicarei a
transcrição em partes.
Parte I
O Nove de Julho
representa para São Paulo uma das mais gloriosas páginas da História do Brasil.
Verdadeira epopéia cantada em verso e prosa pelos maiores poetas e escritores
contemporâneos, aquela data, marco indelével de uma nova era no regime
constitucional do país, tem em cada paulista um fervoroso e apaixonado adepto,
sempre pronto a exalta-la, situando-a no mesmo plano do 7 de Setembro.
Objetivando tão somente
libertar a Nação do jugo de uma ditadura odiosa e incompatível com a índole
pacifica do ordeiro povo brasileiro, São Paulo, num incontido assomo de
revolta, lançou-se a uma empreitada vigorosa e sob todos os aspectos digna dos
maiores encômios, que, se não vitoriosa no campo da luta, serviu para obrigar
aqueles que se impunham pela força a restituir ao povo oprimido o direito de se
manifestar livre e espontaneamente através de seus representantes nas Câmaras
Legislativas.
Não foi em vão que o
solo sagrado de Piratininga foi regado com o sangue puro da mocidade
bandeirante. A bravura, o desprendimento e o acendrado amor à liberdade fizeram
do soldado paulista um guardião nobre e intransigente dos postulados
democráticos, postergados, na época, pelos aproveitadores mesquinhos que se
eternizavam no poder, embora a contra gosto do povo brasileiro.
Baquearam, é verdade,
os soldados da liberdade, mas a sua queda serviu para obrigar os que se
locupletaram nos postos de mando do país a restabelecer o regime democrático,
em que as liberdades individuais são respeitadas.
As lágrimas vertidas
pela valente mulher bandeirante ainda permanecem na retina de quantos, tiveram
a ventura de testemunhar os episódios de valentia e bravura da mocidade
paulista. Mães, irmãos, noivas, esposas e companheiros dos heróis que tombaram
no campo da luta, hoje, quando lhes fala alguém sobre o que foi a epopéia
paulista de 32, sorriem felizes porque sabem que o sacrifício de seus entes
queridos não foi esquecido. E quando a força da saudade se sobrepõem ao orgulha
e a fibra de quem sofreu com estoicismo e resignação, as cintilações das
lágrimas furtivas que afloram aos seus olhos são o testemunho mudo e eloquente
de que nem tudo está perdido.
A semente lançada em
São Paulo germinou. O brasileiro está convicto de que não pode e nem deve
aceitar o regime de exceção. Mais do que nunca ama a liberdade e faz questão
dela fazer uso, embora às vezes erradamente.
Situando sempre em
primeiro plano o nosso Brasil, os revolucionários de 1932 jamais alimentaram a
idéia separatista, como procuravam fazer crer os agentes da ditadura. Todo
movimento constitucionalista se processou em torno do Pavilhão Nacional. As
proclamações, os boletins, enfim, todos os impressos alusivos ao movimento
continham palavras eloquentes de patriotismo, de ideal sadio. São Paulo lutou
contra a opressão e o livre arbítrio. São Paulo foi grande porque sempre quis
que o Brasil fosse grande.
Discursos inflamados levavam milhares de pessoas a participarem das passeatas. |
Sempre unidas as bandeiras de São Paulo e do Brasil. |
Voluntários Indígenas. Sem distinção de raça, cor ou credo todos se uniram pela Lei e da Ordem |
A importante participação dos Escoteiros. |
UM DEPOIMENTO
Júlio de Mesquita
Filho, jornalista de escol, figura das mais respeitadas e acatadas da elite
paulista, diretor do grande jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, participante de todas
as reuniões que precederam ao levante constitucionalista, pois em seu gabinete
de trabalho se processaram as démarches entre os principais conspiradores, foi
por nós escolhido para prestar fiel depoimento sobre o grande evento.
Antes de abordar,
diretamente, a Revolução propriamente dita, Júlio de Mesquita Filho fez questão
de esclarecer que as comemorações do dia 9 de Julho vindouro ficarão
consignadas, para sempre, nos anais da história de São Paulo, como mais um
esforço da mulher bandeirante.
Um grupo de mulheres da
melhor sociedade paulista decidiu dar maio evidência aos festejos da memorável
data e procurou o devido apoio daqueles que participaram dessa ou daquela forma,
da Revolução. Não houve discrepância. Ricos, pobres e remediados, todos
paulistas, imediatamente se puseram a trabalhar, no sentido de que tudo ocorra às
mil maravilhas e que o Nove de Julho do IV Centenário jamais seja esquecido.
Tudo está pronto. A
cidade vibrará e a mocidade, paulista de hoje terá uma rápida idéia do que
foram os gloriosos dias vividos por São Paulo em 1932.
- Nunca houve em São
Paulo quem alimentasse o sentimento separatista, afirmou-nos Júlio de Mesquita
Filho, dando início ao seu depoimento sobre a Revolução Constitucionalista. O
Movimento se processou com o alevantado espírito de brasilidade. São Paulo,
farto do caudilhismo do senhor Getúlio Vargas, decidiu de muito sofrer,
libertar-se do jugo odioso e, consequentemente, libertar a Nação. Na sede do O
Estado de São Paulo foram levados a efeito as reuniões preparatórias. Homens
como Cesário Coimbra, Antônio Pereira Lima, Paulo Duarte, Francisco Mesquita,
Joaquim Celidônio dos Reis, Elias Machado, Antônio Carlos de Abreu Sodré e
quase uma totalidade dos membros do antigo Partido Democrático, entre eles
Aureliano Leite e Joaquim Sampaio Vidal, sem esmorecimentos, dia e noite,
confabulavam procurando os meios mais práticos e eficazes que levassem São
Paulo à vitória rápida e gloriosa. Entregue a chefia do movimento ao pranteado
General Izidoro Dias Lopes, este escolheu para seus auxiliares imediatos, a mim
e ao falecido Coronel Salgado, da gloriosa Força Pública Paulista. Também
participavam das reuniões preparatórias os Capitães Eliodoro da Rocha Matos e
Odilon Aquino de Oliveira, oficiais brilhantes e que deram o máximo de seus
esforços em prol do movimento revolucionário. Objetivando maior coordenação dos
diversos setores aos quais estava afeto o controle da Revolução, decidiu-se a
organização da chamada Frente Única dentro do Estado de São Paulo. Essa Frente
Única consistia na reunião dos elementos que constituíam o antigo PRP e o
Partido Democrático que representavam a grande força da opinião do Estado. Na
celebre reunião da qual resultou a homologação desta Frente Única ficou
deliberada a constituição de uma comissão encarregada do preparo da ação
militar propriamente dita. Pelo PRP foram indicados os senhores Cel. Ataliba
Leonel e o Sr. Coriolano de Góis. Pelo Partido Democrático foi indicado o Sr.
Cesário Coimbra e eu pelo chamado grupo do Estado de São Paulo. No dia seguinte
levava-se a efeito a primeira reunião e eu fui nessa oportunidade designado
para assumir a honrosa função de coordenador das Forças Militares. Daí por
diante toda a responsabilidade do movimento militar recaiu sobre os meus
ombros. Investido dessas funções falei somente em nome de São Paulo e indiquei
os comandos que chefiaram o movimento militar. Coube-me ainda, nessa altura, e
em nome da Frente Única paulista redigir, juntamente com João Neves da
Fontoura, representante no Rio de Janeiro da Frente Única Rio-grandense, o
Pacto Militar entre os dois Estados. Por este pacto ficava estabelecido que
três seriam os objetivos bélicos: 1º - A mudança por parte do Governo Federal
do Comando Militar do Rio Grande do Sul, que nessa altura, estava nas mãos do
General Andrade Neves;
2º- Destituição do
Governo Civil de São Paulo, chefiado por Pedro de Toledo e do Secretariado
imposto pelo povo paulista no dia 23 de Maio;
3º- e este é o mais
importante porque, a princípio impugnado por mim, o acabei aceitando em nome de
São Paulo por ter sido considerado pelo General Flores da Cunha (então
interventor do Rio Grande do Sul) a sua aceitação como o penhor da entrada
daquele grande Estado sulino na Revolução – que era a intangibilidade do
comando de Mato Grosso nessa ocasião ocupado pelo General Bertoldo Klinger. E
foi justamente a destituição desse comando que provocou a entrada imediata de
São Paulo na luta da qual, infelizmente, o Sr. Flores da Cunha não participou.
Daí por diante, meu amigo, difícil se torna traduzir com fidelidade aquilo que
se passou nos dias da Revolução Paulista. Os atos heroicos, tão decantados
ainda hoje pelo que acompanharam de perto e de viso a bravura e o estoicismo do
povo paulista, por aí só falam de sobejo, não necessitando pois de depoimentos
individuais. De Mogi a Cruzeiro, no Túnel, em Silveiras, enfim, em todas as
frentes de combate, o paulista, lutando contra todas as vicissitudes, contando
apenas com o apoio material restrito que lhe era fornecido e também com o
formidável apoio moral que lhe deu a mulher bandeirante demonstrou ao Brasil e
ao mundo que quando se objetiva algo de nobre e elevado sacrifício e o
desconforto se esboroam na muralha intransponível da fé e da fibra. Citar,
isoladamente, episódios heroicos da Revolução de 1932, omitindo outros que
ficaram no anonimato, menos por nossa vontade do que pela modéstia daqueles que
os praticaram seria odioso e injusto. Prefiro encerrar o meu depoimento
afirmando que em 1932 o povo paulista, na sua ânsia de liberdade e olhando
sempre o bem estar do nosso querido Brasil, se lançou na luta com o intuito
único e exclusivo de alijar do poder um governo de exceção que tantos
malefícios nos acarretava. Por isso, meu amigo, as comemorações de 9 de Julho,
justamente no ano do quarto centenário de fundação de São Paulo, deverão
ultrapassar a todas as expectativas.
Reverenciar a memória
daqueles que tombaram no campo da luta em prol de um ideal comum é praticar um
ato de justiça que nos deixa bem com a nossa própria consciência. A data de 9
de Julho não pertence somente aos Paulistas. É uma data Nacional.
Cel. Júlio Marcondes Salgado, a primeira vitima. (Legenda corrigida) |
*Observação- Na fotografia acima a legenda, publicada na
Revista em 1954, está incorreta. Trata-se do Cel. Júlio Marcondes Salgado: - O
bravo Coronel Júlio Marcondes Salgado. Ele não caiu vitimado pelos adversários,
mas por um desastre deplorável, durante experiências com um novo tipo de
morteiro. Após vários testes com êxito, uma das granadas explodiu dentro do
tubo e um dos estilhaços atingiu Marcondes Salgado no pescoço, seccionando-lhe
a carótida. O bravo Coronel caiu morto instantaneamente. O Governador Pedro de
Toledo baixou uma resolução, cujo decreto 5.602, de 23 de julho de 1932,
promovia ao posto de GENERAL Comandante da Força Pública do Estado de São
Paulo, o Coronel Júlio Marcondes Salgado.
Dessa
forma, o decreto criou, na Força Pública, o posto de General, até então
inexistente!
(Veja em https://trincheirasdejaguariuna.blogspot.com/search?q=Julio+Marcondes+Salgado)
Reportagem de Carlos Vinhais.
Fonte.
Revista
O
Mundo Ilustrado, nº75, 7 de Julho de 1954. (Coleção pessoal).
Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo
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