terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

A EPOPÉIA PAULISTA DE 32.

 


Em 7 de Julho no ano de 1954 a Revista O Mundo Ilustrado publicou uma longa matéria sobre a Revolução Constitucionalista de 1932 incluindo alguns depoimentos de ilustres participantes do Movimento. No ano do 4º Centenário de São Paulo as comemorações de 9 de Julho tiveram um destaque especial sendo consideradas uma das mais grandiosas, segundo seus organizadores. A publicação possui diversas fotografias ilustrativas. Na primeira parte o depoimento de Júlio de Mesquita Filho.

A exaltação a São Paulo, o respeito e o reconhecimento ao Soldado Constitucionalistas são nítidos na publicação e até os dias de hoje, 90 anos após, o povo paulista não esquece seus heróis!

 Pela extensão da matéria publicarei a transcrição em partes.

 




Parte I

 

O Nove de Julho representa para São Paulo uma das mais gloriosas páginas da História do Brasil. Verdadeira epopéia cantada em verso e prosa pelos maiores poetas e escritores contemporâneos, aquela data, marco indelével de uma nova era no regime constitucional do país, tem em cada paulista um fervoroso e apaixonado adepto, sempre pronto a exalta-la, situando-a no mesmo plano do 7 de Setembro.

Objetivando tão somente libertar a Nação do jugo de uma ditadura odiosa e incompatível com a índole pacifica do ordeiro povo brasileiro, São Paulo, num incontido assomo de revolta, lançou-se a uma empreitada vigorosa e sob todos os aspectos digna dos maiores encômios, que, se não vitoriosa no campo da luta, serviu para obrigar aqueles que se impunham pela força a restituir ao povo oprimido o direito de se manifestar livre e espontaneamente através de seus representantes nas Câmaras Legislativas.

Não foi em vão que o solo sagrado de Piratininga foi regado com o sangue puro da mocidade bandeirante. A bravura, o desprendimento e o acendrado amor à liberdade fizeram do soldado paulista um guardião nobre e intransigente dos postulados democráticos, postergados, na época, pelos aproveitadores mesquinhos que se eternizavam no poder, embora a contra gosto do povo brasileiro.

Baquearam, é verdade, os soldados da liberdade, mas a sua queda serviu para obrigar os que se locupletaram nos postos de mando do país a restabelecer o regime democrático, em que as liberdades individuais são respeitadas.

As lágrimas vertidas pela valente mulher bandeirante ainda permanecem na retina de quantos, tiveram a ventura de testemunhar os episódios de valentia e bravura da mocidade paulista. Mães, irmãos, noivas, esposas e companheiros dos heróis que tombaram no campo da luta, hoje, quando lhes fala alguém sobre o que foi a epopéia paulista de 32, sorriem felizes porque sabem que o sacrifício de seus entes queridos não foi esquecido. E quando a força da saudade se sobrepõem ao orgulha e a fibra de quem sofreu com estoicismo e resignação, as cintilações das lágrimas furtivas que afloram aos seus olhos são o testemunho mudo e eloquente de que nem tudo está perdido.

A semente lançada em São Paulo germinou. O brasileiro está convicto de que não pode e nem deve aceitar o regime de exceção. Mais do que nunca ama a liberdade e faz questão dela fazer uso, embora às vezes erradamente.

Situando sempre em primeiro plano o nosso Brasil, os revolucionários de 1932 jamais alimentaram a idéia separatista, como procuravam fazer crer os agentes da ditadura. Todo movimento constitucionalista se processou em torno do Pavilhão Nacional. As proclamações, os boletins, enfim, todos os impressos alusivos ao movimento continham palavras eloquentes de patriotismo, de ideal sadio. São Paulo lutou contra a opressão e o livre arbítrio. São Paulo foi grande porque sempre quis que o Brasil fosse grande.

 



Discursos inflamados levavam milhares de pessoas a participarem das passeatas.


Sempre unidas as bandeiras de São Paulo e do Brasil.




Voluntários Indígenas.
Sem distinção de raça, cor ou credo todos se uniram pela Lei e da Ordem









A importante participação dos Escoteiros.


UM DEPOIMENTO

 

Júlio de Mesquita Filho, jornalista de escol, figura das mais respeitadas e acatadas da elite paulista, diretor do grande jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, participante de todas as reuniões que precederam ao levante constitucionalista, pois em seu gabinete de trabalho se processaram as démarches entre os principais conspiradores, foi por nós escolhido para prestar fiel depoimento sobre o grande evento.

Antes de abordar, diretamente, a Revolução propriamente dita, Júlio de Mesquita Filho fez questão de esclarecer que as comemorações do dia 9 de Julho vindouro ficarão consignadas, para sempre, nos anais da história de São Paulo, como mais um esforço da mulher bandeirante.

Um grupo de mulheres da melhor sociedade paulista decidiu dar maio evidência aos festejos da memorável data e procurou o devido apoio daqueles que participaram dessa ou daquela forma, da Revolução. Não houve discrepância. Ricos, pobres e remediados, todos paulistas, imediatamente se puseram a trabalhar, no sentido de que tudo ocorra às mil maravilhas e que o Nove de Julho do IV Centenário jamais seja esquecido.

Tudo está pronto. A cidade vibrará e a mocidade, paulista de hoje terá uma rápida idéia do que foram os gloriosos dias vividos por São Paulo em 1932.

- Nunca houve em São Paulo quem alimentasse o sentimento separatista, afirmou-nos Júlio de Mesquita Filho, dando início ao seu depoimento sobre a Revolução Constitucionalista. O Movimento se processou com o alevantado espírito de brasilidade. São Paulo, farto do caudilhismo do senhor Getúlio Vargas, decidiu de muito sofrer, libertar-se do jugo odioso e, consequentemente, libertar a Nação. Na sede do O Estado de São Paulo foram levados a efeito as reuniões preparatórias. Homens como Cesário Coimbra, Antônio Pereira Lima, Paulo Duarte, Francisco Mesquita, Joaquim Celidônio dos Reis, Elias Machado, Antônio Carlos de Abreu Sodré e quase uma totalidade dos membros do antigo Partido Democrático, entre eles Aureliano Leite e Joaquim Sampaio Vidal, sem esmorecimentos, dia e noite, confabulavam procurando os meios mais práticos e eficazes que levassem São Paulo à vitória rápida e gloriosa. Entregue a chefia do movimento ao pranteado General Izidoro Dias Lopes, este escolheu para seus auxiliares imediatos, a mim e ao falecido Coronel Salgado, da gloriosa Força Pública Paulista. Também participavam das reuniões preparatórias os Capitães Eliodoro da Rocha Matos e Odilon Aquino de Oliveira, oficiais brilhantes e que deram o máximo de seus esforços em prol do movimento revolucionário. Objetivando maior coordenação dos diversos setores aos quais estava afeto o controle da Revolução, decidiu-se a organização da chamada Frente Única dentro do Estado de São Paulo. Essa Frente Única consistia na reunião dos elementos que constituíam o antigo PRP e o Partido Democrático que representavam a grande força da opinião do Estado. Na celebre reunião da qual resultou a homologação desta Frente Única ficou deliberada a constituição de uma comissão encarregada do preparo da ação militar propriamente dita. Pelo PRP foram indicados os senhores Cel. Ataliba Leonel e o Sr. Coriolano de Góis. Pelo Partido Democrático foi indicado o Sr. Cesário Coimbra e eu pelo chamado grupo do Estado de São Paulo. No dia seguinte levava-se a efeito a primeira reunião e eu fui nessa oportunidade designado para assumir a honrosa função de coordenador das Forças Militares. Daí por diante toda a responsabilidade do movimento militar recaiu sobre os meus ombros. Investido dessas funções falei somente em nome de São Paulo e indiquei os comandos que chefiaram o movimento militar. Coube-me ainda, nessa altura, e em nome da Frente Única paulista redigir, juntamente com João Neves da Fontoura, representante no Rio de Janeiro da Frente Única Rio-grandense, o Pacto Militar entre os dois Estados. Por este pacto ficava estabelecido que três seriam os objetivos bélicos: 1º - A mudança por parte do Governo Federal do Comando Militar do Rio Grande do Sul, que nessa altura, estava nas mãos do General Andrade Neves;

2º- Destituição do Governo Civil de São Paulo, chefiado por Pedro de Toledo e do Secretariado imposto pelo povo paulista no dia 23 de Maio;

3º- e este é o mais importante porque, a princípio impugnado por mim, o acabei aceitando em nome de São Paulo por ter sido considerado pelo General Flores da Cunha (então interventor do Rio Grande do Sul) a sua aceitação como o penhor da entrada daquele grande Estado sulino na Revolução – que era a intangibilidade do comando de Mato Grosso nessa ocasião ocupado pelo General Bertoldo Klinger. E foi justamente a destituição desse comando que provocou a entrada imediata de São Paulo na luta da qual, infelizmente, o Sr. Flores da Cunha não participou. Daí por diante, meu amigo, difícil se torna traduzir com fidelidade aquilo que se passou nos dias da Revolução Paulista. Os atos heroicos, tão decantados ainda hoje pelo que acompanharam de perto e de viso a bravura e o estoicismo do povo paulista, por aí só falam de sobejo, não necessitando pois de depoimentos individuais. De Mogi a Cruzeiro, no Túnel, em Silveiras, enfim, em todas as frentes de combate, o paulista, lutando contra todas as vicissitudes, contando apenas com o apoio material restrito que lhe era fornecido e também com o formidável apoio moral que lhe deu a mulher bandeirante demonstrou ao Brasil e ao mundo que quando se objetiva algo de nobre e elevado sacrifício e o desconforto se esboroam na muralha intransponível da fé e da fibra. Citar, isoladamente, episódios heroicos da Revolução de 1932, omitindo outros que ficaram no anonimato, menos por nossa vontade do que pela modéstia daqueles que os praticaram seria odioso e injusto. Prefiro encerrar o meu depoimento afirmando que em 1932 o povo paulista, na sua ânsia de liberdade e olhando sempre o bem estar do nosso querido Brasil, se lançou na luta com o intuito único e exclusivo de alijar do poder um governo de exceção que tantos malefícios nos acarretava. Por isso, meu amigo, as comemorações de 9 de Julho, justamente no ano do quarto centenário de fundação de São Paulo, deverão ultrapassar a todas as expectativas.

Reverenciar a memória daqueles que tombaram no campo da luta em prol de um ideal comum é praticar um ato de justiça que nos deixa bem com a nossa própria consciência. A data de 9 de Julho não pertence somente aos Paulistas. É uma data Nacional.







Cel. Júlio Marcondes Salgado,
a primeira vitima. (Legenda corrigida)


*Observação-  Na fotografia acima a legenda, publicada na Revista em 1954, está incorreta. Trata-se do Cel. Júlio Marcondes Salgado: - O bravo Coronel Júlio Marcondes Salgado. Ele não caiu vitimado pelos adversários, mas por um desastre deplorável, durante experiências com um novo tipo de morteiro. Após vários testes com êxito, uma das granadas explodiu dentro do tubo e um dos estilhaços atingiu Marcondes Salgado no pescoço, seccionando-lhe a carótida. O bravo Coronel caiu morto instantaneamente. O Governador Pedro de Toledo baixou uma resolução, cujo decreto 5.602, de 23 de julho de 1932, promovia ao posto de GENERAL Comandante da Força Pública do Estado de São Paulo, o Coronel Júlio Marcondes Salgado.

Dessa forma, o decreto criou, na Força Pública, o posto de General, até então inexistente! 

 (Veja em  https://trincheirasdejaguariuna.blogspot.com/search?q=Julio+Marcondes+Salgado)


Reportagem de Carlos Vinhais.

 

 

Fonte.

Revista O Mundo Ilustrado, nº75, 7 de Julho de 1954. (Coleção pessoal).

 

 

Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo

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