Já
é sabido da coragem e a importante participação da mulheres na Revolução Constitucionalista
de 1932. Esse Anjo, essa companheira,
essa maravilha que na sua simplicidade e beleza, se transforma de um momento
para o outro, em altiva e heróica, em sublime e quase divina, fazendo-se toda
para todos, é a Mulher Paulista!
É
a Mãe abnegada que leva seu filho para proteger sua terra, seu País!
 |
Em cachoeira Paulista a Mãe se despede de seu filho e amigo em 1932. |
Um
engenheiro narrou um episódio que põe em relevo a alma da mulher mãe sempre
voltada para tudo que é lindo e nobre:
Cumprindo
ordens, alcançávamos, certa manhã, uma fazenda que necessário se tornava
ocupar.
Uma
senhora, acompanhada de seus dois filhos já moços, recebeu-nos à porta, com aquela
amabilidade inata nos sertanejos, e imediatamente pôs a sua propriedade à nossa
disposição, ao saber o objetivo que nos levava à sua fazenda. E como externássemos
a nossa opinião sobre o perigo que corria, permanecendo com os seus filhos na fazenda,
que poderia ser atacada, de um momento para o outro, atalhou-nos decididamente:
-
Sou uma paulista, e permanecerei ao vosso lado. Tudo o que possuo está a vosso
dispor. Reservarei um pequeno quarto para mim. Podereis ocupar o resto.
E
surda a todos os rogos e conselhos, sorridente, põe-se a preparar um café para
os rapazes.
Dispusemos
tudo para resistir eficazmente a um possível ataque, pois desde a manhã notáramos,
nas matas que circundavam a fazenda, movimentos suspeitos de patrulhas
adversárias. De fato, cerca de uma hora da tarde, fomos surpreendidos por
intenso tiroteio, partido de uma floresta próxima.
Corremos
todos, empunhando armas, a guarnecer as seteiras que abríramos nas paredes da
residência, na previsão de um ataque ao nosso reduto. Embora aturdidos, nos
primeiros momentos, pelo inopinado ataque, depressa cobramos calma e correspondemos
à altura de nossas forças, à fuzilaria inimiga.
Relanceando
os olhos ao redor, avistei um quadro sensibilizante. A nossa hospedeira correra
para o seu quarto, e regressava agora, trazendo o avental repleto de cartuchos
de caça. Dirigiu-se novamente ao quarto e, instantes após, regressou trazendo
três carabinas. E, entregando duas a seus filhos, indicou-lhes duas seteiras
desocupadas, abertas juntas à janela principal, e por sua vez, empunhando a
outra, com decisão e energia, ocupou outra seteira devoluta, atirando após
cuidadosamente visar o inimigo.
Precipitei-me:
-
Minha senhora! Por favor! Não se arrisque. Nós seremos suficientes para
repeli-los.
Ela,
com fulgor de indignação nos olhos negros, encarando-me, friamente respondeu:
-
Senhor! Esta propriedade é minha. Defendo-a como é meu dever. A terra que os
paulistas lavraram e regaram com o seu suor, não será maculada pelos pés do inimigo,
enquanto existirem homens e mulheres de brio e coragem.
Um
hurra cobriu as últimas palavras da corajosa senhora. Partira de todas as bocas
e de todos os peitos, lavrando neste instante heroico o seu protesto. Um frêmito
de entusiasmo indescritível ganhara as nossas almas. Mudos, dentes cerrados,
gestos precisos, atirámo-nos de corpo e alma à resistência. No canto mais afastado
os dois jovens sertanejos, olhos afeitos a todos os meandros da floresta,
levavam, com seus tiros certeiros e preciso, a devastação e a morte às fileiras
inimigas.
E
cercados pelo fogo adversário, lutamos com todas as energias, sem desanimo, até
ao anoitecer. A nossa munição esgotava-se a olhos vistos. Sentíamos chegar,
impreciso ainda, o momento da rendição. Mas não calculáramos o desânimo
reinante nas fileiras ditatoriais à nossa resistência.
Lutando
expostas ao nosso fogo cerrado, as suas perdas eram sensíveis e o seu desânimo
latente, ante a impossibilidade de se avizinharem do nosso reduto.
E
ao anoitecer, cessando lentamente o fogo, retiraram-se, levando os seus mortos
e feridos.
Em
todos os setores da campanha constitucionalista, muitos episódios registrei em
meu caderno de notas. Uns pelos seus lances de bravura, outros pela tragédia
que encerravam, e alguns pelo seu lado cômico. Porém, nenhum teve o dom de
comover-me tanto, como o dessa humilde fazenda, perdida nos rincões verdes da
nossa terra.
Muitas
e muitas narrativas li, sobre o heroísmo da mulher brasileira, mas nunca o
testemunhara. A figura varonil daquela senhora paulista, votada ao labor heroico
de lavrar a fecunda terra bandeirante, ficará para sempre em minha memória,
como o mais alto padrão de valor da mulher paulista.
Ainda
conversando com o corresponde do jornal, junto as trincheiras por ali
preparadas, quando apareceu uma mulher do povo, autêntica paulista, carregando
uma criança de tenra idade, e trazendo, segura pelas mãos uma linda e robusta
menina de três anos, de olhos azuis e cabelos pretos.
-
Senhores! O meu marido também é soldado paulista! Ao partir, deixou-me,
amarrado na ponta de um lenço a quantia de vinte e cinco mil réis para as
nossas despesas, e eu desgraçadamente, há pouco, quando por aqui passava, perdi
o lenço e o dinheiro. Fiquei completamente desprovida de recursos!
-
Mas como? aventurou um soldado.
-
Não sei! ... Perdi-o e não sei como me arranjar para comprar o pão para os meus
filhos. Estou aflita! ... Algum dos senhores não o achou?
Um
caridoso soldado saindo sorrateiramente do nosso grupo, com os olhos rasos de
lagrimas, falou reservadamente com diversos camaradas, e daí a instantes,
voltou com um lenço, tendo um nó numa das suas extremidades.
-
Senhora! Eis aqui o seu lenço e o dinheiro! Um nosso companheiro de lutas
encontrou-o na estrada, junto aquela pedra...
A
pobre mulher pegou no lenço com mãos tremulas, olhou-o fixamente, revirou-o,
desatou o nó, onde se achava o dinheiro, e com lagrimas na voz disse:
-
Senhor! ... Este lenço não é o meu! – Prefiro que os meus pobres filhos passem
fome a receber aquilo que não me pertence. Muito obrigada! ...
Debalde
insistimos para que essa nobre mulher do povo levasse o lenço. Não o quis,
dizendo, mais uma vez:
-
Oh, não! Não é o meu! ...e assim partiu, com os entes queridos, essa heróica
Mãe paulista.
O
amor de uma mãe é a bússola que guia o caminho e a força que impulsiona a
seguir, mesmo quando o mar está em tempestade.
O PORTAL TRINCHEIRAS DE JAGUARIÚNA
DESEJA UM FELIZ DIA DAS MÃES!!!
Fonte.
Rodrigues, J., A
Mulher Paulista no Movimento Pró Constituinte. Empresa Gráfica da Revista
dos Tribunais, 1933, 192p.
Imagem - https://oslorenas.blogspot.com/2009/09/cachoeira-paulista-minha-terra.html
Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo