Em
7 de Julho no ano de 1954 a Revista O
Mundo Ilustrado publicou uma longa matéria sobre a Revolução
Constitucionalista de 1932 incluindo alguns depoimentos de ilustres
participantes do Movimento. No ano do 4º Centenário de São Paulo as comemorações
de 9 de Julho tiveram um destaque especial sendo consideradas uma das mais
grandiosas, segundo seus organizadores. A publicação possui diversas
fotografias ilustrativas. Na primeira parte o depoimento de Júlio de Mesquita
Filho.
A
exaltação a São Paulo, o respeito e o reconhecimento ao Soldado
Constitucionalistas são nítidos na publicação e até os dias de hoje, 90 anos
após, o povo paulista não esquece seus heróis!
Pela extensão da matéria publicarei a
transcrição em partes.
PARTE II
AURELIANO LEITE
Nas
vésperas das grandes comemorações do Nove de Julho, em São Paulo, ouvimos a
palavra dos mais destacados revolucionários de 32. Aureliano Leite, advogado de
renome, homem queridíssimo na terra de Piratininga, também prestou-nos valioso
depoimento:
-A razão principal da Revolução de 1932 foi a
reivindicação da autonomia paulista, que estava perdida e negada pela ditadura
de Vargas. São Paulo, inteligentemente, quis atingir a sua autonomia através da
reconstitucionalização geral do país. Daí o nome da Revolução. A ação bélica
dos paulistas foi das mais notáveis não no próprio sentido brasileiro. Mas no
mundial. Basta dizer-se que São Paulo lutou heroicamente três meses atendendo a
que seu preparo foi improvisado, pois nos faltavam armas, munições e soldados.
Para provar a bravura e o denodo do paulista, basta dizer-se que em certas
frentes chegou-se a camuflar canhões e metralhadoras, improvisando-os com
chaminés velhas. Para dar impressão ao inimigo de que a nossa artilharia estava
bem municiada, fazíamos estourar bananas de dinamite. Esse truque forçava os
aviões legalistas a descarregar suas bombas sobre aqueles falsos canhões.
Também motocicletas e matracas eram utilizadas, para fingir rajadas de
metralhadoras. Não havia quase munição. Nesse entusiasmo incontido toda a
população válida de São Paulo se apresentou para pegar em armas. Há episódios
dramáticos, heroicos e dignos de ser contados por todos os poetas. O famoso
Túnel da Mantiqueira foi, a meu ver, onde mais se combateu. Sob o comando do
bravo General Antônio Paiva de Sampaio uns poucos soldados resistiram
heroicamente às constantes investidas do inimigo, cujo número ultrapassava os
cinco mil. Um tiro preciso de canhão disparado por um grupo comandado pelo
então Major Ary da Rocha Nobrega, sobre um parque de artilharia inimiga, salvou
a Revolução. Não fora este fato, e o levante teria durado menos tempo. Quando
se pediu o armistício e o então Governador Pedro de Toledo foi deposto,
passamos por momentos dolorosos. Os responsáveis pela Revolução, que poderiam
ter fugido para o exterior, aguardaram bravamente as represálias da ditadura.
Fomos todos presos e deportados. O grande General Euclides de Figueiredo,
juntamente com Saldanha da Gama e Paulo Duarte, e mais alguns civis,
inconformados com o epílogo do movimento, saíram de São Paulo, a fim de
reorganizar forças para continuar a luta. Tomaram um pequeno batelão e saíram
mar em fora. Foram presos dias mais tarde, exaustos e famintos, numa praia
deserta de Santa Catarina. O ódio de Vargas contra os revolucionários não se
aplacou. Todos tiveram seus direitos políticos cassados e foram postos em um navio
e mandados para o exílio. Ninguém se lastima, pois, São Paulo conseguiu o que
desejava. O sangue paulista não correu em vão. Por tudo isto, tenho que as
comemorações do Nove de Julho devem ser extraordinárias.
(-
Um cidadão jaguariunense contou-me que nas imediações da Fazenda Florianópolis
um morador usou uma motocicleta para enganar tropas governistas que por ali
passavam. Esta Fazenda foi também alvo dos aviões vermelhinhos em 1932.)
A Cavalaria da Força Pública Paulista teve destacada atuação
no front. Ela se bateu heroicamente contra a ditadura.
O HERÓI DO TÚNEL.
Antônio
Paiva de Sampaio é um bravo. Remanescente de Canudos, valente como o que, o
chamado Herói do Túnel, embora
nascido no Rio Grande do Sul, alistou-se nas fileiras revolucionárias logo na
primeira hora do movimento. Neto do famoso General Sampaio, patrono da
infantaria brasileira, valente cabo de guerra, herdou de seu avô as qualidades
indispensáveis a um verdadeiro soldado. É esse homem extraordinário, hoje
encanecido, cercado pelo respeito de seus concidadãos e pelo afeto de seus
familiares, no aconchego de seu lar, entre o documentário irrefutável de seus
feitos heroicos, volve a vida para o passado e nos fala:
-Depois da Guerra do Paraguai e de Canudos, o
maior episódio militar verificado no Brasil foi a resistência do Túnel. Dutra
comandava cerca de sete mil homens e do lado de cá eu e meus bravos
companheiros não erámos mais de dois mil e quinhentos. Sob verdadeiras chuvas
de granadas e balas de fuzil passamos muitos dias e noites. Ninguém deu mostras
de fraqueza. Severo Fournier, Saldanha da Gama e João Batista Prado escreveram,
com sangue, no Túnel, lindas páginas de heroísmo. João Batista Prado,
gravemente ferido, nas bascas da morte, ainda teve forças para dizer – São Paulo merece muito mais. Para
dificultar o avanço dos comandados de Dutra colocamos na boca do Túnel uma
locomotiva. A tática foi eficiente e provocamos muitas baixas no inimigo. Os
meus comandados erram assistidos, a todo instante, pelas damas paulistas. Que
mulher extraordinária é a paulista! Cozinhavam, lavavam e cuidavam dos feridos.
Sempre com um sorriso a bailar nos lábios fortaleciam os ânimos dos
combatentes. Não posso, nem devo citar fatos isolados. Todos foram grandes.
Magníficos soldados. Patriotas, valentes, aguerridos e humanos. Orgulho-me de
ter comandado um pugilo de homens excepcionais. Perdemos quatrocentos e
cinquenta homens. Homens na verdadeira acepção do vocábulo. Que Deus tenha suas
almas sob sua santa guarda. O sacrifício desses heróis redundou em algo
benéfico para o Brasil. O objetivo foi alcançado e eu vivo feliz por isto.
UM SÍMBOLO.
Cabeça
de neve, olhar cândido, fisionomia calma, o símbolo da mulher paulista continua
a praticar o bem no seu recanto morno e acolhedor. Doutora Carlota Pereira
Queiróz! Quem não a conhece em São Paulo? Mulher vigorosa, física e moralmente.
Apaixonada por seu torrão natal, não mede sacrifícios quando se trata de
fazê-lo grande e respeitado. Teve seu prêmio quando eleita Deputada Federal por
São Paulo. Eis o seu depoimento:
- A mulher paulista
integrou-se imediatamente no movimento revolucionário. Compreendeu o alcance e
percebeu a finalidade da Revolução. Colocou-se na retaguarda. Não houve
atividade que não tivesse participado. Damas da melhor sociedade, até ao
preparo do material bélico emprestaram colaboração eficaz. Os serviços, desde
os mais grosseiros foram executados sem vacilações. Isto mostra que a mulher
inspirou confiança aos mentores da Revolução. Dentro de suas possibilidades
lutou sem esmorecimento! Até nas trincheiras ela esteve. D. Stela Sguassabia
alistou-se como voluntária. Pegou no fuzil e combateu. É uma magnifica senhora
de São João da Boa Vista. Coube-me a honra de dirigir o Departamento de
Assistência aos Feridos. Iniciei, nesta oportunidade, o Serviço Social. As
senhoras atuavam nos hospitais de sangue. O Departamento por mim dirigido
fornecia o necessário aos soldados constitucionalista. Também os mutilados eram
devidamente amparados e recebiam conforto moral. Grandes dias vivemos! Quanta
dedicação! O Brasil todo deve se orgulhar da Revolução paulista. As
demonstrações de amor à nossa causa eram constantes e comoventes. Certa feita,
uma senhora de cor, pobremente trajada compareceu ao Departamento e ofereceu-se
para cooperar. Não tinha dinheiro para ajudar São Paulo, mas comprara um pacote
de cigarros para os soldados. Era pobre, mas com sacrifício continuaria
ajudando. Outra, também de origem modesta, pediu-me que a deixasse ajudar. Não
sabia costurar, mas limparia o chão de bom grado. Meu jovem amigo, o Brasil
precisa e deve conhecer bem a história da Revolução Paulista. É ela um grande
manancial de ensinamentos para a juventude de hoje. As suas páginas gloriosas
estão escritas com sangue, sangue de gente valorosa e patriota que se
sacrificou por uma causa justa e nobre. Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo
não morreram em vão. MMDC significa tanto para São Paulo e para os paulistas,
que difícil se torna dizer quanto. Morreram os quatro no dia vinte e três de
Maio, na Praça da República. No local em que tombaram varados pelas balas
assassinas da ditadura floresce, hoje, uma civilização magnifica, onde o amor
ao Brasil se sobrepõe a tudo e a todos.
A mulher paulista, na confecção do Capacete de Aço, orgulho para o Brasil.
Banda Marcial da Força Pública desfila entoando dobrados marciais.
Médicos da Revolução cercam Júlio de Mesquita Filho. |
Fonte.
Revista
O
Mundo Ilustrado, nº75, 7 de Julho de 1954. (Coleção pessoal).
Editado
e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.