SÃO
PAULO RELEMBRA...OMBRO, ARMAS!
VINTE
E CINCO ANOS DEPOIS
FALA O GENERAL KLINGER.
A
CHEFIA Militar da Revolução Constitucionalista de 1932 coube ao brilhante
General Bertoldo Klinger, então Comandante da Região Militar de Mato Grosso. O
seu testemunho é, pois, valiosíssimo. Aliás, no magnifico livro que escreveu no
exílio e que tem o grande título de Em
Continência à Lei, o ilustre cabo de guerra, em detalhes, conta o que foi a
Revolução de São Paulo. Nas suas “impressões sintéticas”, em certo trecho, diz
o General: Como General e como Comandante
da Região, a chamada Circunscrição Militar, de Mato Grosso, entendi, pessoalmente,
que não devia calar-me diante da ousada provocação que os governistas lançaram
à opinião pública e, particularmente, ao Exército.
Em oficio que dirigi ao
nosso ministro, tomei posição em face de semelhante escárnio.
Fazendo-o, sabia que não me poderia surpreender se o governo, que acabava de
aplicar a um capitão insultador de um General uma punição pró forma, de oito
dias de prisão com louvor, fosse mais atrevido para aplicar a mais severa
possível a um General que, com sobejas razões, polidamente, dizia verdades,
duras, mas puras, a outro General.
Como
se sabe, o ofício foi enviado e sobre o General Klinger desencadearam-se as
iras dos dominadores do País. Klinger foi apoiado pelos seus amigos de São
Paulo e a Revolução foi deflagrada.
Agora
é o próprio General que conta ao repórter os fatos por muitos desconhecidos. A estupenda mobilização industrial não foi
suficiente para a fabricação de fuzis e aviões. Entretanto, o entusiasmo e a
dedicação do paulista em geral, sem exceção, supriram as deficiências naturais
e através de um esforço hercúleo, a produção de material de guerra acabou por
vir a satisfazer as necessidades, suplantando, em muito, o número de
combatentes.
DIA FATÍDICO.
Foi
num sábado, à tarde, que a Revolução estourou. É o General Klinger que depõe: No dia 16 houve um incêndio num dos quartéis
da Força Pública, em São Paulo, precisamente aquele em que funcionava o seu
comando superior. Atribuiu-se o sinistro à explosão acidental de uma das bombas
ditatoriais, ali recolhidas, que haviam sido lançadas por aviões no Campo de
Marte, que era o nosso aeroporto. Houve dois mortos e o incêndio foi de tal
monta que forçou a mudança do Comando Geral para um prédio adrede requisitado,
na cidade.
No sábado, 23, sucedeu
em Santo Amaro uma experiência de munição para morteiros, o arrebentamento de
uma bomba na alma, causando os estilhaços do tubo a morte instantânea do
Coronel Júlio Marcondes, Comandante da Força Pública. Horas mais tarde falecia
o Capitão José Marcelino da Fonseca. Nesse acidente também ficaram feridos o
Coronel Salvador Maya, e os Tenentes João Saraiva e Pedro Celestino e eu. Esses
lamentáveis episódios acabaram por nos levar à crendice de que os sábados nos
seriam fatídicos.
MOBILIZAÇÃO.
Uma
pausa para o cafezinho, e continua o General Klinger:
A mobilização se
processou rapidamente. Primeiro dos espíritos e logo concretizada na dos homens
Isto antes da guerra e alimentada pela imprensa e sistematizada pela Liga da
Defesa Paulista e, desde 23 de Maio pelo M.M.D.C., espécie de departamento
especializado daquela, incumbido do aliciamento de combatentes. Assim, quando
se de flagrou o movimento, a mobilização já estava iniciada.
O importante de tudo é o
fato de entidades reconhecidamente pacificas e pacifistas terem participado
ativamente no movimento. Dentre outras, destacamos a Associação Comercial de
São Paulo, a Federação das Indústrias, o Departamento Nacional do Café, o
Instituto de Engenharia e a Escola Politécnica, a Cruz Vermelha, as Companhias
de Estradas de Ferro, a Liga das Senhoras Católicas, Federação Internacional
Feminina e a Associação Cristã dos Moços.
Dizer-se do trabalho
grandioso dessas entidades seria fastidioso, pois a Nação dele está inteirada.
M.M.D.C.
Martins,
Miragaia, Drausio e Camargo foram as primeiras vítimas a tombar pela causa.
Foram eliminados no dia 23 de Maio de 1932 pelos esbirros da Ditadura. A sigla
M.M.D.C. é, pois, o símbolo do sacrifício, do amor dos paulistas aos postulados
democráticos e da repulsa aos chamados governos fortes.
Fizemos
esta interrupção no depoimento do General Klinger para esclarecer a muitos o
significado do símbolo querido e respeitado, hoje perpetuado na capital
paulista num belo monumento.
AS OPERAÇÕES.
Pedimos
ao General Klinger que nos sintetizasse a guerra propriamente dita. Os
combates, as retiradas, os bombardeios, enfim, tudo que se relacionasse com a
memorável campanha. E o General nos satisfez. O seu relato foi impressionante e
somente a absoluta falta de espaço nos impede de reproduzi-la, na íntegra.
Quando assumi o comando
militar constitucionalista na capital bandeirante, por volta de meio dia de 12
de julho de 1932, portanto três dias após a eclosão do movimento, a situação
geral se apresentava nebulosa, em contraste com as magnificas condições de
nossa situação interna, em São Paulo e em Mato Grosso. Os boatos eram os mais
contraditórios e de positivo, de concreto, nada sabíamos.
Mas a ação se fazia
sentir. O tempo era fator preponderante e a situação se agravava. As unidades
da 2ª Divisão de Infantaria estavam concentradas no Vale do Paraíba até
Cruzeiro. Reforçavam-na alguns elementos da Força Pública e a cargo desta
estavam as fronteiras de São Paulo. Não havia, porém, qualquer plano – ou missão,
a não ser a de vigilância. Faziam parte do meu comando geral os civis Moacir
Barbosa Ferraz, Joaquim Celidônio Filho, Paulo Duarte, Virginio Benevenuto,
Otacílio Piedade e Edgar Batista Teixeira.
Chamei Taborda e
entreguei-lhe o comando de Itapetininga. Daí por diante o valor dos combatentes
se fez sentir. Brigamos, brigamos muito. Embora esperançosos, sabíamos das mais
difíceis a nossa empreitada. Tudo nos faltava. Armas, munições e homens cada
vez escasseavam mais. Mas persistimos na luta, sempre esperando a adesão do Rio
Grande do Sul, que pela palavra do seu então interventor, o General Flores da
Cunha, comprometera-se a lutar pela causa. Infelizmente, porém, o que por nós
era considerado com um reforço indispensável, acabou-se transformando em fator
adverso, ao engrossar as fileiras da Ditadura. Mas mesmo assim continuamos a
lutar, até que nossas forças exauriram e, então, tivemos de capitular. Calmos,
porém de pé, com a cabeça erguida e honradamente. E hoje, mais do que nunca,
nos felicitamos por termos brigados contra a Ditadura opressora e odiosa.
DERROCADA EM SÃO PAULO.
Em meados de setembro,
as nossas frentes no Vale do Paraíba e em Campinas estavam em crise aguda;
apenas um pouco menos má era a situação na frente paranaense. Na primeira
consumar-se-ia o largo lance para a linha que, com grande antecedência, o
supremo comando fizera preparar em Guaratinguetá – lance de execução tardia, em
que pese a tenacidade da resistência antes sustentada. Como consequência,
tivemos de nos retrair da Frente de Cunha. Por ocasião recuara a defesa da
Frente do Túnel, que há muito estava com seus dias contados. Em resumo, o
último ato do drama se nos apresentava de forma implacável.
Quando, na manhã de 28,
com dois oficiais do meu Comando Geral, fui aos Campos Elísios, para audiência
previamente solicitada, para assunto urgente, e com o pedido de que fosse
presente o Dr. Waldemar Ferreira, então comuniquei ao governo, conforme
prometera ao Dr. Pedro Toledo, na última visita que me fizera no Q.G., que era
chegada a hora do supremo comando militar propor ao adversário armistício.
Respondeu-se Sua Excelência: Era o que tínhamos a fazer: já estavam tratando
disso à nossa revelia. E esclareceu que na noite anterior fora informado de que
o comando da Força Pública estava em entendimento clandestino com o General
Góis Monteiro.
FIM DA LUTA.
E
termina o General Klinger o seu rápido, mas histórico depoimento:
No dia 1º de outubro,
desde que se evidenciou que a guerra estava terminada, informei aos meus
camaradas e aos civis que a minha intenção era ficar à mercê de vencedor e que
os liberava par que cada um agisse como julgasse melhor, Em minha companhia
ficou até a última hora o Dr. Benevenuto, que comigo se entregou. O resto, meu
amigo, o senhor já sabe. Exílio, reforma e perseguições de toda sorte, foram o
prêmio que recebi por ter lutado por um ideal sadio e patriótico.
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Adesão e alistamento rápidos. |
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A partida de São Paulo para o front. |
Esta é a transcrição do depoimento
prestado pelo General Bertoldo Klinger à Revista O Mundo Ilustrado, foi publicado no dia 10 de julho de 1957, as
imagens, digitalizadas e editadas, são as que foram publicadas com o texto.
Bertoldo
Ritter Klinger - nasceu no Rio Grande, RS em 1º de janeiro de 1884, filho
de Antônio Klinger e de Suzana Ritter Klinger, ambos descendentes de alemães
que migraram para o Brasil. Foi um general de divisão do Exército Brasileiro e
comandante na Revolução Constitucionalista de 1932. Faleceu na cidade do Rio de
Janeiro, em 31 de janeiro de 1969, sendo sepultado no cemitério Inhaúma. Foi
casado com Leopoldina de Almeida Klinger com quem teve seis filhos.
Fonte.
Revista O Mundo
Ilustrado, Nº 28 de 10 de Julho de 1957, arquivo pessoal.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bertoldo_Klinger
Editado
e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.