sexta-feira, 27 de julho de 2018

REMINISCENCIAS HISTÓRICAS DE 9 DE JULHO DE 1932.




Texto de  Armando Alcântara

O ano de 1932 ficou marcado, na vida política do Estado de São Paulo como um dos mais expressivos de sua História. Nele se verificaram fatos singulares todos realmente surpreendentes, que culminaram na Revolução Constitucionalista, eclodida a 9 de Julho.

Mês de abril – Já em abril desse ano ocorria a primeira greve de bancários, acontecimento inédito no país. A sua repercussão fora enorme, porque se verificara no Banco do Estado de São Paulo, exatamente na sua agência de Santos, sob a nossa gerência, com surpresa para nós, pois no dia de sua deflagração encontrávamo-nos na Capital, atendendo chamado da diretoria desse estabelecimento, para tratar de assuntos pertinentes à administração do referido departamento.
Pode-se dizer, sem receio de erro, que esse movimento, pela espontânea coesão de todos os funcionários do Banco do Estado, inclusive da matriz, e pela repercussão que teve em todo o país, através da solidariedade das associações congêneres, marcou o início da arregimentação da classe para defesa dos seus legítimos interesses.
Mês de maio – O germe da reação dos bancários santistas, ao que parece, dado o estado de rebeldia que fervilhava o brio do povo paulista, em face de atos hostis da ditadura, que se comprazia em ferir, sistematicamente, a sua altivez, tomou forma e corpo, pouco depois, através da desassombrada decisão de postular, em plena via pública, o direito de ser livre. Era a coragem, a honra, o ensopitado anseio de liberdade, a fé ardente nos gloriosos destinos de Piratininga, tão valorosamente encarnados na figura legendária de Libero Badaró, que reviviam, estuantes e frementes, naquele instante decisivo da própria nacionalidade.
Vale destacar, nesta altura, pelo calor que imprimiu a luta, servindo-se do verbo inflamado que saia, em catadupa, do coração amachucado de tristeza, por ver, no que urdia o ditador, cotidianamente, o propósito sinistro de envilecimento da sua gente, a personalidade marcante, impávida, generosa de Ibrahim Nobre, bem assim, a dos seus infortunados companheiros – Marcondes, Miragaia, Dráusio e Camargo – que sucumbiram pelo ideal de dar novamente ao povo brasileiro a posse do inalienável direito de ser independente.
9 de Julho de 1932! – O nove de julho de 1932 foi, por certo, o corolário lógico e irreprimível, do movimento cívico eclodido a 24 de maio. A comunidade paulista, como é sabido, sofria, em seu pundonor cívico, a injuria de não poder escolher livremente, os seus governantes, coarctada pela soberana vontade do ditador, que para aqui despachava os seus interventores. E o pior é que, com desenvoltura, eram eles nomeados e substituídos ao sabor das quizilias momentâneas do ditador ou de seus mais chegados assessores, os chamados TENENTES, todos apostados em dar referência a filhos de outros Estados, para o desempenho dessa missão, como se quisessem demonstrar o deliberado propósito de irritar a suscetibilidade dos paulistas, arguindo-os de incapacidade para se dirigirem a si mesmos.
Estávamos em Santos onde residíamos. Pela madrugada, fomos acordados por animosos companheiros, integrados no movimento. Eram eles – CANUTO, WALDEMAR NOGUEIRA ORTIZ E CORNÉLIO FRANÇA – este já ausente do nosso convívio, chamado que foi ao reino dos justos, de quem nos lembramos com saudade. Muitas horas antes, estavam despertos e prontos para o emocionante embate.
Antemanhã fria e nevoenta, a desse glorioso 9 de julho de 1932. O silêncio que a envolvia apenas era quebrado, de onde em onde, pela clarinada sonora dos galos anunciando o próximo dealbar da aurora ou por vezes, aqui e ali, pelo estridular das rodas metálicas de carrocinhas distribuidoras de pão, arrastando-se por sobre as pedras do calçamentos das ruas.
Quem viveu aqueles dias memoráveis, trepidantes de entusiasmo plenos de heroísmo e de exuberantes renuncias da gente bandeirante, na qual se misturavam, sem discrepâncias, em comovedora comunhão, filhos de todos os rincões da pátria brasileira e de terras estranhas – homens, mulheres, moços e crianças – deve ter ainda bem nítidos na lembrança os acontecimentos então verificados, evidenciando, em tudo e a cada momento, o destemor e o desapego à própria vida!
Santos, com razão, pode orgulhar-se de ter participado, como exigia o seu passado de lutas em prol da liberdade, cujo símbolo encontramos na heróica resistência dos escravos, no Jabaquara, tão belamente antada pelo altissonante poeta das praias e do mar santistas, o seu bem querido filho – Vicente de Carvalho, neste passo do magnifico poema Fugindo ao Cativeiro:
Fugi, correi, saltai pelos despenhadeiros;
A várzea está lá embaixo, o Jabaquara é perto...
Deixai-me aqui sozinho,
Eu vou morrer, de certo...
Vou morrer combatendo e trancando o caminho.

A noite assim me agrada.
Eu tinha de voltar p’ra conservar-me vivo...
E é melhor acabar na ponta de uma espada
Do que viver cativo.

Até aquele instante, devemos confessar, de nada sabíamos em relação à marcha dos acontecimentos, nem mesmo conhecíamos a posição que nos estava reservada na pugna em marcha. Todavia, aceitamos, como nos cumpria, a convocação, pondo-nos à disposição dos organizadores da resistência.
Era um lindo domingo e o sol, luminosamente brilhante, doirava a cidade tomada de vibrante civismo. Oito horas da manhã. Quartel da Polícia Estadual, na rua Visconde de São Leopoldo. Lá encontramos, já a postos, a mocidade santista e o melhor de sua gente, sem distinção de condição social.
Todos, ombro a ombro, se disputavam a honra de serem os primeiros a partir para a frente de combate, estimulados pelo desejo de quebrar os grilhões da ditadura, implantada nos idos de 1930.
Depois do quartel da rua Visconde de São Leopoldo fomos ter, nós e um punhado de improvisados combatentes, ao velho, inacabado e inabitado Edifício da Imigração, lá as bandas do bairro Macuco. Cabe aqui, por certo, uma referência bem merecida ao saudoso e infortunado santista – SAMUEL BACARAT – advogado ilustre, abnegado servidor da causa, lutador, destemeroso, que seguira para a frente de combate como simples soldado, recusando qualquer vantagem, em razão de sua posição social.
Foi ele, sem dúvida, um como audazes, companheiro realmente de primeira plana, a quem se aliaram, entre outros, tão apaixonados URIEL DE CARVALHO, MURILO VEIGA DE OLIVEIRA, FLAMINIO LEVI, CARLOS TEIXEIRA JUNIOR (falecido), RENATO DE ANDRADA COELHO, F.B. QUEIRÓZ FERREIRA (falecido) enfim, um sem número de valores tirados do que Santos possuía de mais representativo em seu comércio e na sua sociedade.
No Edifício da Imigração nada existia que pudesse ser aproveitado para servir de alojamento à tropa. Água, luz, esgoto? Nada, absolutamente nada! E, no entanto, era o tudo de que se carecia. Mas a improvisação fez milhares! Com o imediato e decidido apoio da Associação Comercial de Santos, logo se transformaram as deficiências em suprimentos satisfatórios. Tivemos a honra de ser o tesoureiro dos recursos arrecadados, por isso, podemos dizer, com sincera emoção, do modo desprendido e franco com que se houveram os homens de negócio de respeitada praça santista. O alistamento de voluntários para a frente de luta e para os serviços da retaguarda foi centralizado no Grupo Escolar Cesário Bastos, em Vila Matias. Ali, tivemos ensejo de verificar o de que é capaz a fortaleza de ânimo da gente operosa, desse importante porto paulista, com o desdobramento de energias, sem perda de um só instante, em favor da causa abraçada. A mais comovente demonstração de solidariedade humana, jamais vista, só compreensível em gente de alta formação moral e espiritual.  Senhoras e moças não faltaram, também, ao chamamento da grande pugna.
Teve a Associação Comercial de Santos, nesse empolgante episódio, a mais destacada posição. Ela honrou, inequivocamente, as belas tradições de civismo e altruísmo que fazem o seu justo orgulho. As inúmeras comissões de senhoras abnegadas, tanto da alta sociedade como das mais modestas camadas, bem assim, as compostas de prestantes cidadãos, por ela organizadas, não faltaram um minuto se quer às tarefas que lhes haviam sido cometidas.
Destarte, a retaguarda e a frente de combate foram providas de tudo quanto necessitaram graças ao desvelo dessas comoções. Que o digam os soldados do nosso movimento Constitucionalista de 1932, mandados por Santos para a grande jornada, nas linhas do norte e do sul – Salto, Queluz, Silveiras, Cruzeiro, Túnel, Pedreira, Buri, Faxina (hoje Ituverava) e Capão Bonito – se, por ventura, em qualquer instante, lhes faltou assistência moral e material, naquela hora de duras penas e de riscos inumeráveis? Do mesmo modo, invocamos o testemunho de quantos participaram, no Guarujá, nas improvisadas defesas das praias de Perequê, Pernambuco, Guaiuba, Munduba e Tartarugas e ainda na Praia Grande, em Itaipu ou Itanhaém, sem arredar pé, dia e noite, à espreita do inimigo, para que o litoral Sagrado de Piratininga não fosse pisado pelos defensores da ditadura, se, por igual, não tiveram o assíduo amparo, por intermédio dos companheiros que, conosco, carregaram a responsabilidade de dar cumprimento a essa difícil missão? É impossível traçar, dentro do estreito limite desta ligeira narrativa, toda a maravilhosa História dos memoráveis feitos verificados nesse magnifico episódio, que ficou conhecido por 9 de Julho de 1932.
Só a Campanha do Ouro pela série comovente de atos e fatos que suscitou, bastaria para engrandecer a vida heróica de uma nacionalidade. Santos, também excedeu-se a si mesma, escrevendo uma das mais lindas páginas de sua gloriosa existência. E não podia ser de outro modo. Tem ela em seus insignes brasões, popeando, numa justeza heraldicamente expressiva, esta legenda de cintilante beleza – A Pátria ensinei a liberdade e a caridade.
Por isso deu o mais impressionante exemplo de altivez, no sustentar com denodo a grande luta, e de caridade, através do amor aos seus queridos mortos.
IVAMPA, CAROLINO, GASGON, PINHO, FERREIRA, ALBERTINI, SHAMMAS, DARNIN, PÉRSIO E JANUÁRIO – com erigir em memória deles um expressivo monumento, na Praça José Bonifácio.
Guardamos, ainda hoje, entre as coisas de valor, de nossa particular estima, dois preciosos documentos referentes a este histórico episódio. São eles os seguintes:


Comando Militar Da Praça de Santos.
Em 17 de julho de 1932

O portador desta, Sr. Armando Alcantara, faz parte da Comissão da Associação Comercial de Santos, encarregada de assistência às tropas, tendo para isso autorização do Sr. Cmt. da Praça que, determina lhes prestem os auxílios informativos necessários ao desempenho de suas funções.
Este documento vai assinado pelo Cmt. da Praça e pelo autorizado
(a)  João Carlos dos Reis Jnr. – Major Cmt. da Praça
MMDC – Praça Rui Barbosa – Politeama – Santos




Ilmo. Sr. Armando Alcântara.
Nesta Santos, 6 de setembro de 1932.
Saudações
Temos o prazer de comunicar que V.S. foi designado para fazer parte de uma das comissões de Cooperação, as quais tem por fim auxiliar-nos na organização do Posto de Preparação Militar da M.M.D.C., já criado nesta cidade e a instalar-se brevemente no Miramar.
Considerando o seu reconhecido valor pessoal e seus sentimentos de franca solidariedade pela causa que, pelo Brasil, levou São Paulo a pegar em armas contra a ditadura, estamos certos de que V.S. não se negará a dar-nos seu valoroso concurso.
Pedimos, pois a V.S. comparecer à nossa sede, largo do Rosário (Politeama Rio Branco), com a brevidade possível, a fim de iniciarmos nosso trabalho em conjunto e prestarmos a V.S. os esclarecimentos que desejar.
Com os protestos de nossa elevada estima e toda consideração, subscrevemo-nos
Pela Comissão (a) A. Morais Barros, Manuel Hipólito do Rego.


Estas notas constituem capitulo de um livro em preparo, de nossa autoria, sob o título Minha história e de Outros, que esperamos, em tempo não muito remoto, dar à publicidade.


Transcrição do texto publicado no Jornal Diário da Noite em 1957.



Capa do livro publicado em 1964.


Nota – O Livro foi publicado em 1964, há alguns exemplares à venda em sebos e livrarias especializadas em livros antigos.




Monumento aos Voluntários santistas, Santos,SP.



Fonte.
 Jornal Diário da Noite, Edição Especial Comemorativa de 09 de julho de 1957 (arquivo pessoal)





Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo

27/07/2018

Um comentário:

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