quarta-feira, 9 de maio de 2018

EXCERTO DE UM DIÁRIO - 1932.





Neste texto que transcrevi, não há registro do autor na publicação do jornal. É uma narrativa, da ocasião em que o Comandante Romão Gomes e seus auxiliares, foram surpreendidos por uma tropa de soldados ditatoriais na Capital paulista. Pela leitura, cheguei à conclusão que o autor seria o jornalista Machado Sant’Anna, citado no texto e participante do acontecimento do dia 28 de setembro de 1932.




DO PALÁCIO PARA A ENXOVIA COM MEIA HORA DE INTERVALO.



EXCERTO DE UM DIÁRIO.


28 de Setembro de 1932.

Lutávamos agora no Setor de Campinas, para onde convergiam as tropas vindas dos Setores da Alta Mogiana, de Casa Branca e de Eleutério. Bem cedo, no Q.G. disse-nos o Comandante Romão Gomes que deveríamos preparar-nos para seguir, em sua companhia, dentro de minutos para a Capital, com os Tenentes Dirceu Coelho e Alcino Teixeira Leite.
O semblante pensativo do Comandante em chefe daquela frente e a sua sisudez e principalmente por estar pouco comunicativo, pra com que a viagem decorresse um tanto desconcertante, não que procurássemos, com aquele espirito jovial de sempre, contornar a situação. Bem que a -------amos (inelegível) nada agradável e que as Forças Federais, sempre reforçadas, tinham-nos obrigado a recuar, exatamente quando estávamos conseguindo os maiores êxitos na frente de Poços de Caldas, pois chegáramos a penetrar em território mineiro 10 dias antes no alto da Paulicéia.
Na Capital o Comandante Romão Gomes, após breve refeição disse-nos que iriamos ao Palácio do Governo. No Pátio do Colégio deixamos o carro ao lado do antigo Colégio dos Jesuítas e subimos as escadarias aguardando apenas a entrada no Salão Nobre onde deveríamos ser recebidos pelo Governador Pedro de Toledo.
O momento intensamente esperado chegou e vimos o ancião de olhar sereno, imperturbável, grave que, abraçando Romão Gomes, disse comovido:
- Meu grande amigo e grande Comandante. Somos gratos pela sua campanha. Queria faze-lo hoje o Comandante da Força Pública para a reação......
Romão era homem rude, simples, sem muito palavreado, mais adstrito à tropa, e que aprendera a ler aos 21 anos, quando entrou na Força Pública. Empertigou-se e respondeu:
- Senhor Governador, aqui estamos para receber ordens. Defenderemos nossas posições até o último homem.
Depois, a palestra tornou-se cordial e Romão Gomes apresentou-nos:
Senhor Governador. Este tem sido meu braço direito, meu amigo e companheiro, Dirceu Coelho, casado, com filhos e vem lutando desde a primeira hora. Este outro, advogado, casado, faz parte de meu Q.G., é Alcino Teixeira Leite, meu colega da Faculdade. Finalmente este é o jornalista Machado Sant’Anna, com quatro filhos, que entrou como voluntário e agora faz parte do meu Estado Maior.
A todos, o Governador paulista teve uma palavra de simpatia, cumprimentando-nos. Era vista formal, mas jamais possível de ser olvidada. Estávamos vivendo um momento dramático na vida de São Paulo. Romão Gomes passa a outra saleta e conferencia alguns minutos com o Dr. Pedro de Toledo e ao sair disse-nos que deveríamos retornar com urgência para Campinas. Antes iria rever sua esposa e filhos, dos quais já estava separado desde o dia 9 de julho.
Rumamos para o bairro de Santana e ao atravessar a Ponte Grande, surgiram vários soldados de fuzil em posição de tiro, fazendo o carro parar. Dirceu Coelho, rápido, desceu do carro e disse enérgico:
- Afastem-se. é a escolta do Comandante Romão Gomes!
Foi um “ah”! e imediatamente ficamos cercados por todos os lados, enquanto um fuzil era colocado nas nossas costas, já dois deles subiam ao estribo e comandavam: -Para o Quartel! fazendo com que fossemos em marcha lenta, seguindo mais de 30 homens, ao nosso lado, berrando e alucinados. Com efeito erámos presa preciosa e Romão disse apenas: - Fomos traídos! É o fim!
A entrada do Quartel do antigo 4º B.C. em Santana, fomos recebidos por um oficial, o Cap. Campelo, do Exército. Era o comandante da praça. Apresentados, pediu-nos as armas e os documentos. Romão e Dirceu foram recolhidos em uma cela, enquanto que, com Alcino Teixeira Leite e mais atrás, meu cunhado e meu sobrinho, também detidos, pois estavam nos acompanhando até a saída, fomos colocados em outra cela. Eram exatamente 15 horas. Tínhamos subido aos céus, pouco antes no Palácio do Governo do Estado. Ali fomos honrados com a palavra e o cumprimento do chefe do governo paulista. Meia hora depois, sofrendo o duro golpe de um completo desencanto, refreando a indignação, o ódio mesmo, mas impotente para qualquer reação. Se quer pudéramos esboça-la tal o imprevisto. Quem poderia supor que em pleno coração de São Paulo, centro da Revolução Constitucionalista pudesse um de seus comandantes de maior prestigio ser apanhado como se estivéssemos em guerra de meninos de grupo escolar...
Um soldado, meio embriagado, cara enfezada, chegou à porta de nossa cela e fazendo uma careta, dentro da covardia natural de todo aquele que se sente seguro e sem poder ser alcançado, bradou os desaforos naturais que só poderiam vir de quem era. Alcino, advogado, maneiroso, ainda se chegou a ele e prometeu-lhe dinheiro, só para avisar a família. Deu uma risada histérica: - Família? vocês não verão mais família, nem coisa alguma. Vão ser todos fuzilados. Nós vencemos a revolução desde hoje cedo. A Contra Revolução está vitoriosa...
Corriam, vagarosamente as horas e todos nós, na ignorância, pois, havíamos sido “depenados” e ninguém tinha um relógio para conhecer o tempo. Também não nos importava muito. Que poderíamos esperar?
Noite fechada, sem água, sem comida, mais ou menos cerca de 10 horas, um oficial chegou a nossa cela e mandou que saíssemos. Dali fomos levados à presença do Capitão Campello. Disse-nos que estávamos livre e deveríamos retornar às nossas casas.  “A Revolução, disse-nos, está terminada”.
Cerca de meia noite. Chegamos no Q.G. do General Klinger. Um oficial informou que o Comandante Romão Gomes tinha seguido para Campinas. Pedimos condução. Declarou que somente de manhã...
Terminava o dia 28 de setembro, o verdadeiro dia da derrota paulista dentro da própria Capital de São Paulo.


















COLUNA ROMÃO GOMES


No dia 10 de julho de 1932 desfilava pelas ruas da capital paulista como capitão do 1º Batalhão Paulista de Milícia Civil - 1º BPMC, cujos integrantes eram na maioria civis voluntários para a defesa da causa Constitucionalista. O seu 1º BPMC acumulou sucessivas vitórias no campo de batalha ao longo do conflito, tendo sido composto no início por cerca de 450 homens e tendo apenas 15 baixas durante os combates, dentre as quais, somente 3 mortos.
Ainda no início do conflito, ao seu batalhão incorporaram-se outros mais, resultando na lendária “Coluna Romão Gomes”. Esse agrupamento de batalhões atuou no Setor Leste, na divisa de São Paulo com Minas Gerais, em cidades como São José do Rio Pardo, São João da Boa Vista, Águas da Prata, Caconde, São Sebastião da Grama, Casa Branca, entre outras. A Coluna cunhada por seu nome, recebeu também a alcunha de “Coluna Invicta” e também tornou-se lendária por jamais ter perdido uma batalha ao longo de toda aquela campanha militar. Nesse setor, ele chegou a levar os combates contra as tropas federais ao interior do território mineiro, onde construiu fama de liderança, bravura e ainda de invencibilidade, por acumular sucessivas vitórias em batalhas contra as tropas de Getúlio Vargas. Somente retrocedeu suas linhas de defesa por cumprimento de ordens superiores, que buscavam retificar infiltrações nos flancos de modo a evitar o envolvimento às tropas paulistas.





Fonte.


OLIVEIRA, B. F., Revolução Paulista de 1932; Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda, São Paulo, 1950, 135p.


Jornal Diário da Noite, Edição Especial, 09 de julho de 1957 (Arquivo pessoal.).




Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.
09/05/2018.

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