Parte I
Esta é uma transcrição do artigo escrito pelo Major Esdras Chaves que foi publicado no jornal “A Gazeta” em 1957.
“UMA REPARAÇÃO NECESSÁRIA”.
“O GLORIOSO 4º BATALHÃO DE CAÇADORES NA EPOPÉIA PAULISTA DE 1932”.
Entre os vivas, consagrações, homenagens e narrativas, vimos que, pelo fato de seus ex-componentes se encontrarem, ainda, em sua maioria, fazendo parte do Exército Ativo, e, assim, relativamente inibidos de se pronunciarem, publicamente, sobre um movimento que não deixou de ser político, pelo menos em parte, ninguém tratou da atuação do tradicional, glorioso e invicto 4º Batalhão de Caçadores, do Exército, componente das tropas da II Região Militar, com outras Unidades. Mas, é preciso que a geração atual saiba que, mesmo antes de 9 de Julho, lá pelas 22 horas do dia 8 do mesmo mês, já os componentes daquela Unidade do Exército estavam revoltados, recebiam munição para os combates da Revolução Constitucionalista!
Às 22 horas do dia 8 de julho, o pátio do 4º B.C. ia ficando repleto de caminhões enviados pelas repartições do Estado e da Prefeitura, ao mesmo tempo que os oficiais, todos integrados e conscientes das razões do Movimento Constitucionalista, reuniam seus subordinados, explicando-lhes os motivos da revolução. Ninguém estava com a ditadura! Então, o glorioso 4º Batalhão de Caçadores, do Exército, “em peso”, estava de pé para dar os primeiros passos em favor da grandiosa epopéia, que agora se comemora no Jubileu de Prata!
FOMOS, ASSIM, A PRIMEIRA TROPA A SE REVOLTAR! PRIVILÉGIO ESSE AO QUAL O 4º BATALHÃO DE CAÇADORES NÃO DECLINA PARA NENHUMA OUTRA UNIDADE! ASSIM COMO AQUELA VALOROSA UNIDADE DO EXÉRCITO, QUE JÁ HAVIA COMBATIDO CONTRA A REVOLUÇÃO DE 1930, ARCOU COM AS RESPONSÁBILIDADES DO BRADO DA REVOLTA, DO MOVIMENTO CONSTITUCIONALISTA, DEVE, AGORA, MERECER OS LOUROS DO RECONHECIMENTO! LAMENTO QUE SEJA UM DOS MAIS MODESTOS DE SEUS COMPONENTES QUE TENHA QUE TOMAR ESSA ATITUDE, MAS QUE SE JUSTIFICA! CONSEQUENTEMENTE, PAULISTAS, DE NASCIMENTO E DE CORAÇÃO, AO DESFILAR, EM QUALQUER TEMPO, O GLORIOSO 4º BATALHÃO DE CAÇADORES, LEMBRAI-VOS DE QUE ESSA UNIDADE DO EXÉRCITO MUITO CONCORREU PARA ESCREVER AS PÁGINAS GLORIOSAS DA HISTÓRIA DO MOVIMENTO CONSTITUCIONALISTA DE SÃO PALO, EM 1932!
Pois, muito bem municiada a tropa, aguardou-se, por algumas horas, possíveis reações de elementos da Força Pública de São Paulo, que, felizmente, não houve. Mas, o mesmo não aconteceu com as Unidades de Guarnição Militar, de Quitauna, atualmente, Duque de Caxias, pois, seria mais ou menos meia noite do dia 8 do citado mês, quando o 4º B.C. recebeu ordens de se deslocar para aquela Guarnição, em apoio às unidades revoltadas, face à indecisão de alguns elementos. Por isso, chegamos a tomar posição para qualquer eventualidade, mas, após entendimento entre os oficiais do 4º B.C. e os daquelas Unidades, também do Exército, cujos detalhes desconhecemos, tudo se harmonizou, sem necessidade de um tiro.
Regressamos, então, à sede do 4º B.C. que era na rua Alfredo Pujol, em Santana, onde, atualmente, se encontra aquartelado o C.P.O.R. de São Paulo. Ali foi distribuído a refeição do café a todos os elementos que, sem demora, partiram, em seguida, nos já citados caminhões, com destino ao Rio de Janeiro, cobrindo a rodovia São Paulo – Rio, até Mogi das Cruzes, onde almoçamos e aguardamos novas ordens.
É necessário esclarecer, ao passarmos pelas ruas do Brás e da Penha, dando vivas à Revolução Constitucionalista, morras à ditadura, notava-se a surpresa do povo, que ainda não tinha tomado conhecimento do movimento revolucionário. Eram as primeiras horas do dia 9 de julho e o povo, evidentemente, não tivera tempo, ainda, para se informar do que estava se passando... Faça-se a história como se deram os fatos, não com fantasias e devaneios, principalmente ao tratar da parte militar da história!
Após uma noite geladérrima nas imediações de Mogi das Cruzes, o 4º B.C., mediante ordem de escalão superior, partiu com destino à Taubaté e Guaratinguetá, ainda cobrindo o eixo rodoviário São Paulo – Rio de Janeiro, com várias missões, das quais se destacavam as de cobertura do litoral, nos setores de Cunha – Campos Novos de Cunha – Parati e outros, para os quais foram destacados elementos da referida Unidade, sob o comando de seus oficiais.
Em Cunha, o 4º Batalhão de Caçadores, que fazia parte das tropas do Destacamento Tenente Coronel Mario Abreu – que atuava no Vale Paraíba – contou com o inestimável apoio dos bravos batalhões de voluntários da “Liga de Defesa Paulista” e “Legião Negra”, que faziam parte da tropa encarregada do Setor Cunha, toda sob o comando do então Capitão do Exército Artur de Azevedo Marques O’Reilly, que exercia, nessa ocasião, o comando do 4º B.C.
E, certamente, em Cunha, ocorreu uma das mais brilhantes vitórias das forças constitucionalistas. Nesse particular, vejamos o que escreveu o ilustre professor Alfredo Ellis Junior:
...” Assim foi o Movimento de 32: perdemos quase todas as batalhas, pois a não ser a rutilante vitória de Cunha (em que tomei parte), e algumas investidas felizes do grande e saudoso Romão Gomes, as nossas armas só conheceram derrotas”. (A Gazeta, edição comemorativa de 9-7-1957).
É que, realmente, encontramos Cunha completamente deserta, abandonada pela sua população. As famílias locais, por serem paulistas, ficaram apavoradas com a aproximação das tropas da ditadura, presumindo pudessem ser vítimas de represálias. Daí procuraram refúgio no mato e nas fazendas vizinhas da cidade.
Efetivamente, das elevações dominantes da cidade partiam, constantemente, rajadas de metralhadoras ditatoriais, enfiando as ruas perpendiculares à rua principal daquela cidade. Assim, o ambiente era de completa inquietação. Os soldados eram obrigados a atravessar as ruas, correndo ou aos lanços, arriscando, ainda assim, a vida a todo momento. Por isso, urgia uma providência para modificar aquela situação criada pelos Fuzileiros Navais e outras tropas das forças ditatoriais, que haviam, antes, desembarcado no litoral e procuravam se aprofundar no território paulista, naturalmente visando atingir e interceptar o eixo rodoviário São Paulo – Rio.
Após uma reunião do Estado Maior do 4º B.C. deliberou-se atacar os fuzileiros: numa manobra brilhante de envolvimento pala retaguarda, de surpresa, aproveitando a escuridão da noite para o deslocamento, a Companhia do glorioso 4 º B.C., sob o comando do então Tenente Waldomiro Meirelles Maia, cuja bravura, sangue frio e capacidade profissional eram de todos conhecidas, de madrugada, atacou pela retaguarda, para onde em tempo, deslocara sua tropa, os Fuzileiros Navais, que não tiveram capacidade para reagir, senão por pouco tempo, e, em debandada, abandonaram suas posições, deixando mortos, que sepultamos, grande quantidade de material, troféus, de maneira que, ao raiar do dia, Cunha se achava livre e os pracinhas de posse de várias lembranças da batalha, apanhadas no local do combate, deixadas pelos navais... Não tivemos uma baixa, nem feridos se quer, graças à capacidade profissional dos bravos oficiais do 4º Batalhão de Caçadores!... Eis “a rutilante vitória” a que se refere o Prof. Alfredo Ellis Junior, naturalmente descrita em largas pinceladas...
Realmente, considerando que já encontramos as tropas adversárias em suas posições, que, assim, escolheram as condições topográficas mais vantajosas, com perfeito comandamento de fogos e vistas sobre a cidade de Cunha, que corríamos o risco de completo envolvimento e consequente massacre ou do corte das nossas comunicações, pela intercepção da única via rodoviária que nos permitiria a ligação com Guaratinguetá, a vitória de Cunha, que corríamos o risco de completo envolvimento e consequente massacre ou do corte das nossas comunicações, pela intercepção da única via rodoviária que nos permitiria a ligação com Guaratinguetá, a vitória de Cunha foi, taticamente, uma grande vitória.
Em consequência da vitória de Cunha, e, como os ditatoriais desapareceram de vista a ponto de não permitirem a operação militar de perseguição, o 4º B. C. avançou cerca de 40 quilômetros, tomando novas posições, deixando Cunha bem à retaguarda, acantonado no povoamento de Brumado.
Em suas novas posições o heroico 4º B.C. sustentou novos e vigorosos combates. Esteve sob longo e intenso fogo de artilharia inimiga, pois, em face da derrota sofrida em Cunha, os ditatoriais procuraram reforçar-se e naturalmente obtiveram apoio da tropa de artilharia, ao passo que o 4º B.C. apenas, contou com as celebres bombardas, improvisadas pela indústria paulista, que, de nenhuma forma possuíam o alcance nem o potencial de fogo das peças regulares da artilharia do Exército! Mesmo assim, nunca se deu um passo à retaguarda! O moral dos oficialidade era bastante elevado! A atividade era muito grande, particularmente do então Capitão Carlos Coelho Cintra, que desempenhava as funções de subcomandante do 4º B.C., suprindo-se, dessa maneira, as deficiências materiais com a coragem e sangue frio do pessoal!
Entretanto, lamentavelmente, vimos tropas regulares, que não do Exército, abandonar, sem qualquer pressão do adversário, suas posições nas trincheiras... Vimos, também, o dinâmico e enérgico Capitão Carlos Coelho Cintra, com decisão, ordenar que as mesmas retornassem às suas posições, no que foi, felizmente, obedecido! Naturalmente, não era covardia, mas o começo do fim...
Todavia, devemos destacar, o glorioso 4º Batalhão de Caçadores não sofreu nenhuma derrota militar! Jamais recuou sob pressão das tropas da ditadura!
Infelizmente, porém, em virtude de recuos noutros setores, e como não podia haver solução de continuidade na linha de combate das tropas constitucionalistas, recebemos ordem de recuar para novas posições de modo que tivemos que abandonar posições conquistadas com tanta bravura e sacrifício! Todos lamentaram a necessidade de cumprir as ordens superiores para recuar... Assim, recuamos para muito aquém de Cunha, até a serra do Quebra Cangalha, onde, dias depois, fomos colhidos pelo armistício, e consequente deposição das armas...
O 4º B. C. que disciplinadamente combateu, agora, disciplinadamente, obedecia a ordem de seus superiores hierárquicos para entregar as armas da Fazenda Nacional. Ainda, aqui, não houve debandada: os elementos do Batalhão “Liga da Defesa Paulista” e da “Legião Negra”, isto é, a tropa voluntária, evidentemente, procurou, da melhor forma retornar aos seus lares, mas o pessoal do 4º B.C. inicialmente foi mantido preso sob palavra no mesmo local, e no dia seguinte foi escoltado para Guaratinguetá, onde pernoitou sob escolta, seguindo no dia seguinte para Lorena, onde permaneceu preso no Quartel do Exército ali existente. A tropa se manteve ao lado da oficialidade até os últimos instantes, até que, em caminhões, desconfortavelmente, foram conduzidos presos para o Rio de Janeiro. Separavam-se, assim, os oficiais de seus subordinados.
Algumas semanas depois, por decreto, era então, extinto o glorioso 4º Batalhão de Caçadores, e expulsos das fileiras do Exército todas as suas praças... Nessas condições, quem faz a presente narrativa, bem como seu irmão, que era voluntário daquela Unidade, hoje Comendador Natan Chaves, deixavam de pertencer ao heroico 4º Batalhão de Caçadores do qual fizeram parte durante todo o tempo da Revolução Constitucionalista! ...
Por outro lado, é necessário ressaltar, o oficial das Forças Armadas, quando da ativa e de carreira, ao tomar parte num movimento revolucionário, põe em jogo todo o seu futuro. Pois bem, paulista, esse risco correram os bravos oficiais que compunham o referido 4º Batalhão de Caçadores, assim como os seus sargentos e graduados que foram expulsos! Mas, principalmente os oficiais estiveram presos por longo tempo, foram prejudicados em suas carreiras, de maneira que merecem, sempre, a gratidão do povo paulista, pois foram os principais artífices das glórias e do conceito em que hoje é tido o São Paulo Constitucionalista de 1932!
No que tange ao 4º Batalhão de Caçadores, pelo que nos lembramos, merecem ser destacados os seguintes oficiais: Tenente-Coronel Mario da Veiga Abreu, seu comandante ao deflagrar a Revolução Constitucionalista: Capitão Artur de Azevedo Marques O’Reilly, que logo passou a comandar a referida Unidade; Capitão Carlos Coelho Cintra, que exerceu as funções de subcomandante do 4º B.C. Este oficial trabalhava dia e noite, esgotou-se a tal ponto que era necessário a aplicação de injeções para dormir durante a campanha. Foi incansável e um bravo decidido revolucionário. Seu lugar é ao lado dos irmãos de ideal no Monumento do Ibirapuera! Os então Tenentes: Abílio da Cunha Pontes, Carmelo Batista da Silva, Euryale de Jesus Zerbine, Luiz Tavares da Cunha Melo, Waldomiro Meirelles Maia, Heitor Mandonesi, Murilo Araújo, Wallenstein Teixeira de Mendonça, Wlademir Fernandes Bouças, Luiz Gonzaga Cardoso de Ávila, Argemiro de Assis Brasil, Fernandes de Almeida Cezar, João Cavalcanti de Albuquerque Tabajara, Murilo Teixeira de Barros, José Porfirio Lobo, Haroldo Bueno, Eduardo Confúcio da Cunha Bastos, e da Reserva, João Cunha Rudge e Agostinho Camargo da Silva, e outros que não nos lembramos.
Assim, cada um desses oficiais, hoje em sua maioria Coronéis e Tenentes- Coronéis do nosso Exército, devem merecer a consideração dos paulistas, porque desinteressadamente, por um ideal apenas, sacrificaram-se, sacrificaram suas carreiras e concorreram para escrever a página gloriosa da história constitucionalista de São Paulo de 1932.
Finalmente, cabe não esquecer, anos após a referida revolução, como Major do Exército, faleceu Carlos Coelho Cintra.
Carlos Coelho Cintra, indiscutivelmente, foi a viga mestra que impulsionou o bravo 4º Batalhão de Caçadores durante todo o Movimento Constitucionalista de1932! Por isso, seu lugar, como preito de gratidão dos paulistas, é no Mausoléu do Ibirapuera, berço dos combatentes, dos que lutaram em prol do ideal constitucionalista de 1932! Carlos Coelho Cintra morreu prematuramente, tendo para isso concorrido, em muito, o desgaste que sofreu pela luta da vitória das armas constitucionalistas!
Assim, ao ser comemorado o próximo 9 de Julho de 1958, que se promova a remoção de seus restos mortais para o Ibirapuera. Que os dirigentes da Sociedade M.M.D.C. investiguem a conduta de Carlos Coelho Cintra, antes, durante e após a referida Revolução e, certamente, concordarão em conduzir, no próximo ano, solenemente, seus restos mortais para ocupar o lugar que merece entre seus irmãos de ideal da Revolução Constitucionalista de 1932!
Eis outra reparação que se faz necessária.
São Paulo, 12 de julho de 1957.
Fonte.
Recorte do Jornal “A Gazeta” de 17 de julho de 1957. (Arquivo pessoal)
Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.
26/02/2018