sábado, 25 de março de 2017

Mulheres de 32 – II.


Olívia Guedes Penteado.

Adaptação do texto de Nelly Martins Ferreira Candeias *






“O que me extasiava era a sua disposição,
a sua coragem, a sua alegria,
sua simplicidade de alma,
seu amor pelo próximo, sua fé no Brasil.”
Prof. Goffredo da Silva Telles Jr.



A história oficial sempre relegou a participação da mulher na vida política e social do Brasil, enquanto que a historiografia atual procura resgatar sua presença nos acontecimentos histórico-sociais.
D. Olívia Guedes Penteado nasceu em Campinas, no Largo da Matriz Velha, em 12 de março de 1872. Era filha dos Barões de Pirapitingüy, Tenente – Coronel José Guedes de Souza, poderoso fazendeiro de café no Município de Mogi-Mirim, e de Dona Carolina Leopoldina de Almeida e Souza. Genuinamente paulista, sua descendência teve origem em Fernão Dias Pais Leme por sucessão direta. A família liga-se também a Amador Bueno, a Tibiriçá, o grande cacique de Piratininga, e a João Ramalho. Dona Olívia passou a infância na propriedade paterna, na Fazenda da Barra, em Vila Jaguary que pertencia à Mogi-Mirim, tendo estudado em casa com professores particulares e, durante algum tempo, no Colégio Bojanas. Posteriormente, a família transferiu-se para São Paulo, tornando-se o Barão de Pirapitingüy grande proprietário e capitalista. Aos dezesseis anos casou-se com seu primo, Ignácio Penteado, do ramo dos Penteados de Campinas, que acabara de regressar da Europa, onde permanecera por vários anos em viagens de lazer e estudo.
Por ocasião da revolução de 1924 ela chegou a abrigar em sua residência o poeta vanguardista suíço-francês Blaide Cendras das bombas que caíam na região.
A jovem lutou pelo voto feminino e ajudou a eleger a primeira mulher para uma constituinte.
Dona Olívia ingressou no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo no dia 6 de maio de 1932, poucos dias antes de eclodir a Revolução Constitucionalista, tendo sido a décima mulher a tomar posse nessa entidade: “o Sr. Presidente acentuou o brilho e imponência daquela noite, por motivo da posse de três ilustres representantes da intelectualidade feminina paulista – Olívia Guedes Penteado, Ana de Queiroz Teles Tibiriçá e Maria Xavier da Silveira”.

Dona Olívia em 1932

Preocupada com as condições das viúvas e órfãos de voluntários, D. Olívia trabalhou intensamente durante a Revolução de 1932, acompanhada por Carlota Pereira de Queiroz, que, graças a sua articulação e à de Pérola Byington, viria a ser a primeira deputada federal no Brasil. Prefeito de São Paulo durante esse período, Godofredo da Silva Telles, seu genro, assim se referiu à atuação de Dona Olívia no período da Revolução Constitucionalista.

“Durante o movimento constitucionalista de 1932, a sua esclarecida vontade e a imperturbável serenidade de ânimo que era o traço mais forte de sua personalidade, desempenharam importante papel: ela colaborou ativamente no trabalho de todas as senhoras paulistas em prol da causa que São Paulo defendia. Não poupou esforços nem sacrifícios. Tomou parte em todas as iniciativas femininas tendentes a minorar o sofrimento dos que combatiam, socorrendo as famílias que aqui haviam ficado e animando com sua confiança aos combatentes que embarcavam para a frente de combate. Mais tarde, findo o movimento, quando todos os paulistas se uniram pelo bem de São Paulo, para sufragar nas urnas aqueles que deviam ser os portadores de seu pensamento e da sua vontade na Assembléia Constituinte, ela continuava, com a mesma serenidade, no seu novo posto de animadora cívica, trabalhando nas primeira linhas de Chapa Única. Mas a energia batalhadora do seu coração não ultrapassou a luta. Saiu dela sem ressentimentos nem ódio. Voltou a ser aquela que tinha sido a vida inteira, sorridente e acolhedora, esquecida dos adversários da época”.

Diz seu neto, Goffredo da Silva Telles Jr.:

“Aqui lembrarei apenas que os ideais aparentes do movimento empolgaram a população – e que Olívia Penteado se empenhou em servi-los, de corpo e alma. Durante todo o tempo da luta, que foi um tempo heróico, de sacrifícios e de privações, ela assumiu o cargo de Diretora do Departamento de Assistência Civil. Sem qualquer hesitação, doou jóias valiosas, na ‘Campanha de Ouro para o Brasil’, destinada a reforçar os fundos necessários à manutenção das frentes de combate. Depois, no ano seguinte, nas eleições gerais de 1933, minha avó lançou e apadrinhou a candidatura de Carlota Pereira de Queiroz, médica, à Assembléia Nacional Constituinte e ao Congresso Nacional. Doutora Carlota foi a primeira mulher a ser deputada federal no Brasil “.

Para que não se esqueça, parece-nos interessante reproduzir, aqui, parte da bela oração proferida por D. Olívia Guedes Penteado durante a Revolução Constitucionalista:

Às Mulheres Brasileiras

 “(…) Não há terra como o nosso Brasil. Nós paulistas o sabemos. E, portanto, quando tomamos armas contra os opressores de nossa terra, sabemos e sentimos que não estamos dando combate a nossa pátria. Longe de nós ter qualquer rancor contra os nossos irmãos dos outros Estados. A luta que travamos é contra a opressão, contra o erro, contra o crime. (…) Quem se bate pelo regime da justiça, da liberdade e do direito, será sempre apontado na história da nossa terra, como o defensor da verdadeira, da suprema causa da nacionalidade. Esta causa – vós já sabeis – é a causa da Lei. Temos a certeza de que nossos filhos, que ora seguem frementes de entusiasmo sagrado, poderão em breve, ó brasileiras de todos os estados, abraçar os vossos filhos, que, também constitucionalistas, os esperam com a mesma vibração, a fim de que, juntos, irmãos e brasileiros, possam gritar a quarenta milhões de brasileiros – Tendes agora a Lei! Viva o Brasil!”

A morte de Dona Olívia

Dona Olívia faleceu no dia 9 de junho de 1934, vítima de apendicite, após um mês de penoso sofrimento. Foi assistida por sua amiga, Carlota Pereira de Queiroz, e por Aluysio de Castro, médico vindo especialmente do Rio de Janeiro para acompanhá-la, e que assim se expressou a respeito daquelas horas amargas:

“Há sempre no fim de uma grande vida um grande exemplo. Os que assistiram a Dona Olívia Penteado nas suas derradeiras horas, puderam contemplar, na fortaleza e na candura do seu ânimo, alguma coisa grandiosa, como quando a graça divina se reverbera na expressão humana”.

Seu esquife foi carregado em mãos dos acompanhantes, que o levaram pelas ruas de São Paulo. “Constitui uma tocante e expressiva consagração a homenagem que S. Paulo prestou, na tarde de anteontem, à memória de D. Olívia Guedes Penteado, por ocasião de seu sepultamento” (O Estado de São Paulo, 12 de junho de 1934, Falecimentos).

Recorda Goffredo da Silva Telles Jr:

“Havia uma silenciosa multidão na nossa rua, diante de nossa casa. Quando saímos com o caixão e o entregamos aos bombeiros, para que eles o colocassem lá em cima, no carro, sentimos um movimento do povo, uma aproximação compacta de gente, em torno de nós. (…) E então vimos o total inesperado. O povo silenciosamente se assenhorou do esquife embandeirado. Homens desconhecidos, segurando as alças do féretro, puseram-se a caminho. E o levaram, na força de seus braços, pelas ruas de São Paulo, até a sepultura distante, no Cemitério da Consolação. A multidão anônima seguiu atrás. E dispersou ao fim do enterro. Que povo era aquele? Eu não sei; ninguém sabe, nem saberá jamais”.

Foi sepultada no Cemitério da Consolação, na Rua 35, túmulo 1, ao lado de seu marido. O túmulo é encimado por uma escultura de Brecheret, “A descida da Cruz”, obra adquirida por ela em Paris, no Salão do Outono, em 1923. Logo após a sua morte, Guilherme de Almeida, na Seção que mantinha em O Estado de São Paulo, fez-lhe uma bela e sentida homenagem:

“(…) Dona Olívia era o poema da vida. A idéia da vida, o ritmo da vida e a beleza da vida entrelaçavam-se, nela, tão essencialmente bem, que ela impunha a vida, como um poema impõe a verdade que defende, por menos verdadeira que seja essa verdade. (…) Ella apenas encontrou, no seu aparente desaparecimento, uma nova forma de viver…”

Guy

Assim a relembrou Maria de Lourdes Teixeira:

“Essa figura nobilíssima de mulher, bela, fidalga e ultracivilizada, ficará em nossa história literária e artística como uma das inteligências precursoras que emergiram da sociedade “ancien régime” para a compreensão de um Brasil novo construído por uma mentalidade nova”.

Dona Olívia foi uma mulher excepcional, cujo talento e brilhante atuação se refletem em vários momentos da história da atuação cívica e cultural no Brasil. Seu estilo de vida, provocando encontros e desencontros, abriu um espaço verdadeiramente comum aos homens e às mulheres de seu tempo, fazendo com que a igualdade dos direitos humanos e das oportunidades, pelas quais lutava discretamente, passassem a eliminar a diferença das identidades que retardavam a emancipação feminina. Jamais será esquecida porque lutou contra os preconceitos do seu tempo.

Foi uma Mulher Paulista!


*Nelly Martins Ferreira Candeias é professora aposentada da Faculdade de Saúde Pública e Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.



Família Guedes, da esquerda para a direita: José, Alfredo, Baronesa e Barão de Pirapitinguy,
 tendo em seu colo Altimira, sentada no banco Carolina, em pé apoiada Olívia e Mário





Seus irmãos: Albertina Guedes Nogueira, Carolina, Olívia, Altimira e José Guedes.





Olívia Guedes Penteado.





Túmulo de Olívia e seu marido encimado por escultura de Brecheret, "A Descida da Cruz".




Fonte.

Disponível em:





Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.
25/03/2017.

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