Transcrevo
este interessante relato feito pelo escritor e historiador, Tito Lívio
Ferreira, em seu livro História de São Paulo segundo volume, sobre fatos que
envolveram a Revolução Constitucionalista de 1932:
“Pesava
sobre o Brasil, desde 1930, a nuvem negra da ditadura. A gente Paulista, onde
se fundiam Paulistas e Brasileiros de todos os Estados, levanta-se em armas na
manhã memorável de 9 de julho de 1932, contra a ditadura opressora. Simboliza
esse movimento indômito o impulso incoercível da alma livre de um povo soberano
desde os primórdios do Brasil Província. Este povo em armas vai lutar pela
imediata reconstituição da Pátria. Assumem o comando das forças
constitucionalistas o General Bertoldo Klinger e Coronel Euclides de
Figueiredo. A mística dos Brasileiros de São Paulo é: “Tudo pela
Constituição!”. A 10 de julho de 1932 o Interventor Pedro de Toledo é aclamado
Governador de São Paulo. Paulistas e Brasileiros, homens, mulheres, velhos e
crianças, todos se unem num bloco, todos se congregam em torno do mesmo
pensamento, da mesma vontade, da mesma ação onde palpita a consciência
coletiva. E civis e militares, unidos escrevem com o próprio sangue, a epopéia
fremente de civismo, estuante de admirável beleza, impar na História de nossa
terra e nossa gente.
Após
três meses de luta em todas as fronteiras paulistas, a 2 de outubro de 1932,
fecha-se mais uma página de idealismo e bravura, São Paulo combate o bom combate,
sem aviação, sem artilharia, sem engenharia. Havia dentro de cada um dos
combatentes de 32 a sede implacável de Liberdade. Por ela ardiam as nossas
qualidades militares acesas na lareira viva do Bandeirismo, cuja chama alta e
inquieta ilumina todos os horizontes do mesmo território da Pátria Brasileira,
Nos séculos XVII, XVIII, XIX a Bandeira do Rei, levantada pelos homens de São
Paulo alteia-se na obra magnifica da formação e consolidação da Pátria. A mesma
Bandeira desfralda em 32 pela Constituição, alçada em lábaro vivo da comunidade,
dentro da órbita restrita, mas autônoma, vigilante e nacionalista. E o nosso
nacionalismo tradicionalista se alicerça no passado comum, na existência comum,
na história comum do Luso cristianismo. Na insígnia de nossa Bandeira
inscrevemos: A permanência na continuidade, Daí lutarmos no passado, no
presente em função do futuro. Pela Lei, pela Grei e pela Liberdade.
São
Paulo jamais se ergueu contra o Rei constituído. Levanta-se, como um só homem, em 1932, consciente
do seu direito de revolta. Em “Les princepes fondamentaux du droit”, o Marquês
de Vareilles-Sommiérez, decano então da Faculdade de Direito na Universidade
Católica de Lille, fixa bem o caos em que a revolta não é apenas um direito,
mas um dever imperativo. Ouçamo-lo:
“Todavia, se o soberano
exerce uma tirania criminosa; se, em lugar de procurar a ordem, a justiça e
todos os benefícios ordinários do poder, ele prodigaliza aos seus súditos a
iniquidade, a vergonha e a ruína; se ele os impede de obedecer as leis de Deus,
se ele se apodera da infância para lhe.” corromper o espirito e o coração, a
revolta torna-se lícita e por vezes obrigatória.”
Assim,
pensavam e agiam os vassalos do Rei, quando o soberano português, D. Sancho II
deixa o Reino cair na anarquia, na desordem, no caos, em 1241. E o Rei foi
deposto pelos seus vassalos, para ser elevado ao trono, seu irmão D. Afonso III
de Portugal.
Exposto
o direito de revolta, lícita e às vezes obrigatória, Vareilles-Sommieres
prossegue:
“Nós apoiamos, no caso
presente, o direito da revolta primeiro e sobretudo no direito de legitima
defesa. Os inferiores não tem direito de julgar e punir os seus superiores, mas
eles têm o direito de se defenderem contra eles próprios. A legitima defesa,
que em direito criminal absolve o criminoso, em direito constitucional
justifica a revolta.”
Por
esse direito constitucional se levanta São Paulo em 1932. A Constituição
justifica o direito de revolta correspondente perante a sociedade ao direito
individual da legítima defesa. Como direito que é, ele tem características
jurídicas bem distintas e bem marcantes. Não era contra o poder legalmente
constituído, embora a própria legitimidade cesse no instante em que a
comunidade corre perigo de se subverter pelos desvarios e erros de quem tem o
dever jurídico-moral de mantê-la em paz e segurança. E o Brasil não tinha então
nem paz, nem segurança, nem governo constituído.
Nessas
condições, para Vareilles- Sommiéres no direito de revolta, “o direito de impedir o mal, o direito de
ocupar o poder desde que esteja vago e de desembaraçar os primeiros obstáculos,
pertence, sem que seja possível contesta-lo com seriedade, tanto às frações da
comunidade como a própria comunidade.” O Governo da República
apresentava-se vago, desde 1930. Seu ocupante não fora eleito para o cargo.
Exerce o poder ilegalmente. São Paulo conjuga Paulistas e Brasileiros para a
formidável jornada constitucionalista. Mais alta e mais prestigiosa a figura do
Apóstolo se torna, quando através da coragem moral e cívica de seus comandados
levanta na ponta da espada a dignidade dum princípio de direito. E ele
simboliza a Pátria, acima de ódio e de paixões, a lavrar o protesto da
coletividade brasileira contra a conquista interna de quem pensava
discricionariamente, de quem repudia a Constituição da República.
A REVOLUÇÃO
CONSTITUCIONALISTA.
O
levante militar de 3 de dezembro de 1930 representa a tomada do poder pela
violência. Conduz, na ponta dos fuzis e metralhadoras, à presidência da
República, Getúlio Vargas, candidato derrotado nas eleições de 1 de março
daquele ano. Assume a governança, precedido de intensa propaganda, baseada em
promessas jamais cumpridas. Decorridos poucos meses era geral a insatisfação em
todas as classes. E parte de São Paulo o primeiro movimento contra a ditadura,
porque São Paulo sempre foi o civil militarizado, guardião das “Ordenações do
Reino”, da Constituição Política do Império e da primeira República Brasileira.
Por
isso, a Força Pública de São Paulo encarnou o desagrado e a decepção crescentes
em todos os setores das atividades paulistas, onde mais sensíveis, no Brasil,
eram os efeitos da incapacidade governamental imperante. Daí a rebelião de 28
de abril de 1931. Esse movimento falhou nos seus objetivos devido à falta de
melhor entrosamento entre os elementos civis e militares, de outras esferas,
comprometidos.
A
antiga Colônia Correcional de Taubaté foi transformada em presídio militar a
fim de receber os numerosos Oficiais de todos os postos implicados na rebelião
de 28 de abril de 1931. Coube assim à Força Pública do Estado de São Paulo a
precedência no roteiro das reações em cadeia contra a ditadura implantado em
1930 por Getúlio Vargas. Assim, naquela data – 28 de abril de 1931 – situam-se
os primórdios culminantes na Revolução Constitucionalista de 9 de julho de
1932, depõe o Coronel Luiz Tenório de Brito, Comandante do 2º Batalhão do
Regimento 9 de Julho em operações na linha Paranapanema – Apiaí-Ribeira. E
iniciado a 9 de julho, o movimento constitucionalista encerra-se três meses
depois, a 2 de outubro de 1932.
O MOVIMENTO
REVOLUCIONÁRIO DE 1932.
Transcrevemos, a seguir, o depoimento escrito
pelo Dr. Aureliano Leite, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, Presidente de Honra da Ordem Nacional dos Bandeirantes e dos principais
chefes civis do movimento constitucionalista de 1932. Essa página descreve os
antecedentes do glorioso 23 de maio de 1932 e constituem, assevera o Dr.
Aureliano Leite, o “resumo rigorosamente cronológico e rigorosamente histórico”
desses acontecimentos memoráveis.
1932
– 17 DE JANEIRO – O Partido Democrático presidido pelo Prof. Francisco Morato,
um dos responsáveis pela Revolução de 1930, rompe com a Ditadura e concita os
brasileiros, em especial os paulistas, a se congregarem em combate indefesso
aos perigos que ameaçam os destinos e segurança da Nação.
25 DE JANEIRO – Comício monstro na
Praça da Catedral contra a Ditadura, com o comparecimento dos partidos
políticos (P.D e P.R.P.), classes conservadoras, estudantes e povo em geral.
Foram os próceres dos partidos políticos, estudantes e representantes das
classes conservadoras.
16 DE FEVEREIRO - Constitui-se a Frente Única Paulista, formada
dos dois partidos e classes conservadoras. Lança-se manifesto assinado pelos
membros dos dois diretórios. Declara esse documento “que os filhos de
Piratininga nunca andaram apartados nos lances da adversidade”. “Nada há agora
que os separe”. Termina com este trecho: “Ponhamo-nos à altura do papel que
sempre nos coube no cenário nacional. Unidos patentearemos aos nossos
compatriotas a resolução irredutível em que nos mantemos por nós mesmos e de
reacender as energias com que temos contribuído para a construção e
prosperidade da Pátria.” Dos políticos vivos assinaram esse documento: Altino
Arantes, Melo Neto, Marrey Júnior, Francisco Mesquita, Henrique Bayma, Celidônio
Filho, Vicente Rao, Ribeiro da Luz, Ubaldino Azevedo, Waldemar Ferreira,
Antônio Feliciano, P. Nogueira Filho, Aureliano Leite, Plínio Queiroz, Vicente
Pinheiro e Elias Machado de Almeida.
24 DE FEVEREIRO – Novo comício
monstro, na Praça da Catedral, em que falaram vários oradores, políticos e
populares, da escadaria do templo.
Salientou-se a oração
de Waldemar Ferreira, chamando de eunucos
os tenentes de Getúlio Vargas, o que os enfureceu.
25 DE FEVEREIRO – Elementos do Clube 3 de Outubro, entidade formada por
militares de velhas revoluções empastelam espetacularmente, no Rio, o Diário Carioca, dirigido pelo jornalista
J. E. Macedo Soares, o que repercutiu tremendamente em São Paulo.
26 DE FEVEREIRO - Os titulares gaúchos do Ministério da
Ditadura, desiludidos com o Ditador, abandonam os seus cargos e dirigem-se
incontinente para Porto Alegre. De passagem por São Paulo, concitam os
paulistas a mandarem até lá emissários credenciados para tratar da Revolução
com a Frente Única dos Pampas. Atendendo a essa sugestão, partem para o Sul os
dois delegados Abelardo Vergueiro Cesar e Aureliano Leite, que regressariam de
Porto Alegre com compromisso formal da sua Frente Única, liderando o povo e as
forças armadas de marchar com São Paulo para a Revolução. O interventor –
Flôres da Cunha mostra-se solidário com a Frente Única.
7 DE MARÇO – Assume a
interventoria de São Paulo o embaixador Pedro de Toledo. Pensa o Ditador com
essa nomeação atender a intimação dos paulistas, que exigiam um paulista civil para dirigir o Estado. De
começo, o embaixador não passou de um despachador de expediente, envolvido por
um secretariado escolhido pelo Ditador à revelia de seu delegado.
MEADOS DE MARÇO – A Frente
Única do Rio Grande rompe com a Ditadura, enviando-lhe ultimatum exigindo-lhe o cumprimento da mensagem do embaixador
Assis Brasil, encarregado de transmitir as suas exigências à
constitucionalização liberal, imediata do País.
27 DE ABRIL – O Ditador
acirra mais o povo de São Paulo com a adoção do Laudo do General Villero y, na
bissecular questão de limites entre São Paulo e Minas, atentando contra o
território paulista. Aumenta-se ainda mais a tensão dos espíritos, na Capital e
no interior. Conspira-se, abertamente. Constitui-se o primeiro comitê executivo
da Revolução, composto de: Ataliba Leonel, Júlio de Mesquita Filho, Cesário
Coimbra e Coriolano de Góes, dividindo-se o Estado em 10 setores entregues a
vários próceres políticos. Desentendem-se o General Góes Monteiro, comandante
da 2ª Região Militar, e o General Miguel Costa, comandante da Força Pública. Na
casa de Leôncio Neri, realiza-se reunião a que comparecem Góes e representantes
da Frente Única Paulista. Góes propõe a entrega de São Paulo aos paulistas, o
que é repelido pelo tenentismo. Nessa
altura, Pedro de Toledo, converte-se nobremente ao paulistismo, desistindo das
tentativas de reunir o Estado em torno do Ditador. Agora, já se preocupa o
ventrando Interventor com os altos destinos de sua própria terra. Interada
disso, a Frente Única Paulista aproxima-se do Interventor, envidando esforços
no sentido de promover a substituição do seu secretariado, francamente
getulista. Pedro de Toledo chega a ir ao Rio para tentar demover o Ditador,
nada conseguindo. Teria proferido então a célebre frase: “SÃO PAULO MARCHA PARA
A GUERRA OU PARA A PAZ”.
30 DE ABRIL – Os estudantes de Direito
promovem jocosa passeata de calouros ridicularizando corajosamente as
principais figuras da ditadura, Miguel Costa, Góes, Cordeiro de Farias, João
Alberto, General Rabelo, Osvaldo Aranha, etc.
13 DE MAIO – Realiza-se na Praça da
Sé mais um comício monstro contra a Ditadura.
14 DE MAIO – A Ditadura faz publicar
nota em que prestigia o General M. da Costa, comandante da Força Pública, e, ao
mesmo tempo, o General Góes, comandante da 2ª Região Militar, declarando mais
que o secretariado do Interventor só seria de novo escolhido de acordo com o
Ditador. São Paulo cresce cada vez mais no seu justo rancor e repúdio contra os
déspotas que se assenhorearam do Brasil. Não eram mais os políticos que guiavam
o povo. Era ele próprio. Marcharia por si mesmo, com os políticos ou sem eles.
18 DE MAIO – Osvaldo Aranha, Ministro
de Getúlio, colocado por alguns dias à margem dos acontecimentos, volta à tona.
Anunciou a sua mediação para apaziguar São Paulo, terra de seu pai. Pensou em
tentar substituir Pedro de Toledo por dois elementos do Partido Democrático –
Marrey Júnior e Antônio Feliciano. Apressa, sua vinda a São Paulo para isso.
22 DE MAIO – DOMINGO – Eis que
telefonemas e telegramas confirmam a partida de Osvaldo Aranha para São Paulo,
de automóvel. Atinge o Vale do Paraíba. Corre desabaladamente sobre a velha
Piratininga. A tremenda afronta repercute incrivelmente em São Paulo. As praças
e ruas da Capital começam a encher-se de povo, revoltado com mais essa
provocação. Distribuem-se boletins como este: - “Paulistas: mais uma vez o
Ministro Osvaldo Aranha, como enviado especial do Ditador, vem a São Paulo com
o intuito de arrebatar ao povo paulista o sagrado direito de escolher os seus
governantes. O povo reunir-se-á, hoje às quinze horas, na Praça do Patriarca,
para decidir dos seus destinos. Eia povo de São Paulo! É chegado a hora da
libertação e da vitória!”. Chegou-se a pensar em deflagrar nesse mesmo dia a
revolução, aproveitando-se a presença em São Paulo do Cel. Euclides Figueiredo.
Osvaldo chega à Penha. Verifica-se o desembarque do Ministro na Villa Kyrial,
na rua Domingos de Morais, residência de seu tio, Freitas Vale. No Triângulo e
vizinhanças, multidões alvoroçadas empunham bandeiras paulista e brasileira,
vagueando com hurras contra a ditadura. Oradores assomam às janelas. Na Praça
do Patriarca, de um porta- voz potente, armado nos altos da Casa Caio Prado,
falam vários oradores, entre eles, estudantes. Lembro-me de Ibraim Nobre, José
Leffrevre, Gomes Martins, Dario Ribeiro Filho e outros. A multidão, a convite
de, entre outros, Ibraim e Silvio de Campos, dirige-se à sede da 2ª Região
(Conselheiro Crispiano). Conserva-se de portão fechado o edifício, mas de cima
do gradil fala ao povo o Cap. Gastão Goulart, afirmando que as forças do
Exército não atirariam contra os paulistas. Dalí, já noite, a multidão marcha
para a Luz, em demanda dos quartéis da Força Pública. Detêm-se no Comando
Geral, cujo prédio seria depois incendiado. Concita os soldados a virem para a
rua acolher-se às bandeiras paulista e brasileira. O comandante geral Campos
Castro não está. Seu substituto é o Cel. H. de Carvalho. Ibraim, em flamejante
discurso, excita os soldados. Herculano dispõe-se a receber para parlamentar
uma comissão do povo. Recebe-a e a introduz no comando o Cap. Mário Rangel.
Compõe-se a comissão do
povo de Sílvio, Pereira Lima, Ibraim, Luciano Gualberto, Aureliano e outros. No
momento em que é atendida a comissão, um esquadrão da cavalaria surge
inopinadamente em frente do quartel e atropela e espaldeira o povo, havendo
troca de tiros, de que saíram feridos alguns populares. A multidão enfurecida,
sempre chefiada por Ibraim, Sílvio e outros, marcha daí para o Palácio dos
Campos Elísios, invade o jardim e os terraços, sendo atendida por Pedro de
Toledo, que promete agir imediatamente em defesa de São Paulo.
23 DE MAIO – Segunda feira – Ninguém
dormiu em São Paulo de 22 para 23. O dia amanheceu em polvorosa. O comércio
fechou as suas portas, logo após o almoço e veio também para as vias públicas.
Carlos Nazaré, presidente da Associação Comercial, faz distribuir um boletim
subversivo. O “Diário da Noit” estampa manifesto de grande parte da Força Pública
manifestando-se ao lado do povo. A massa humana, pela tardinha, dirige-se de
novo aos Campos Elísios, de novo invadindo jardim e dependências. Exige a
designação imediata de novo secretariado, no que afinal é atendida. Marca-se
para a noite, na Secretaria da Justiça, no Páteo do Colégio, a posse do 1º
Secretário Waldemar Ferreira. A massa humana, que não deserta um só instante do
Triângulo e praças contíguas, em gritos delirantes, como no velhos tempos de Piratininga,
saca de suas armas de fogo e as detona para o ar, em salvas repetidas, no
memento em que o secretário Silva Gordo passa a Waldemar Ferreira a pasta da
Justiça, nomeando-se em seguida e empossando-se comandante da Força Pública o
Cel. e depois General Marcondes Salgado. O povo, não satisfeito com a vitória
alcançada, dirige-se à sede dos jornais: A Razão, órgão de Osvaldo Aranha, e
Correio da Tarde, de Miguel Costa, e os incendeia. Daí o povo ruma contra a
sede da Legião Revolucionária, ou Partido Popular Paulista, chefiado por Miguel
Costa, nos altos da rua Barão de Itapetininga, esquina da Praça da República. É
recebido a tiros de fuzis e metralhadora. Trava-se ligeiro combate, caindo
mortalmente feridos, na Praça da República, os moços Miragaia, Martins, Drausio
e Camargo, cujas siglas dariam o nome à sociedade secreta, fundada no outro
dia, 24 de maio, no Clube Comercial, qual foram iniciadores J. Sampaio Vidal,
Prudente de Morais Neto, Paulo Nogueira Filho e Aureliano Leite.
E
a luta armada finalmente acabou estrondando na noite de 9 de julho, deflagrada
oficialmente na Chácara do Carvalho, para onde havia sido transferida a 2ª
Região Militar. Coube o comando inicial ao Cel. Euclides Figueiredo, dirigida
depois pelo Gal. Bertoldo Klinger, sob a chefia suprema do Gal. Isidoro Dias
Lopes.
Soldados
e civis, enquadrados em batalhões patrióticos, marcharam incontinente para
todas as faces do território paulista, para o próprio Oceano, menos para o lado
de Mato Grosso que correu a sorte de São Paulo.
Ao
cabo de quase três meses de porfia heróica, do lado de lá, brasileiros dispondo
das melhores e mais abundantes armas e munição farta; do lado de cá,
brasileiros com armas improvisadas e faltas de munição, fomos vencidos
militarmente. Obra da fatalidade, de um destino irrevogável. Não culpemos a
ninguém pela desgraça.
Mas
o espírito cívico de São Paulo não s abateu com a derrota. Ele jamais
desapareceu de suas almas. Manteve-se vivo, latejando em suas veias, pulsando
em seus corações até hoje, aguardando o dia, a hora, o momento da ressurreição,
da redenção.
Não
foi embalde o seu apelo às nossas bravas e intemeratas Forças Armadas. 32 anos,
número sagrado no simbologismo histórico e cívico de Piratininga, foram
precisos para que o Brasil se convencesse de que São Paulo tinha razão. Minas,
Rio Grande do Sul, Guanabara, Pernambuco, Paraná, Mato Grosso e o nosso São
Paulo, a impávida mulher brasileira à frente, afinal cerraram fileiras em torno
do Exército, da Aviação e da Marinha, que nos trouxeram, sem sangue derramado,
nesta era redentora de 64 a libertação pela qual, na era amarga de 32 os
brasileiros de São Paulo choraram lágrimas sobre o túmulo de seus filhos
tombados em combates. Não choraram pela sua perda, choraram pela Pátria
infelicitada. Mas a Pátria mereceu a imolação. Não regateamos nenhum sacrifício
por ela. Daremos pela salvação tudo quanto ela nos pedir, tudo quanto carecer
de nós, inclusive de novo o sangue de nossos filhos, quando preciso for.
Tito
Lívio Ferreira foi um historiador, professor de História da Idade Média e de
História de Portugal na Faculdade de Filosofia de São Bento da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, e escritor brasileiro. Foi professor dos
três níveis. Lecionou francês no Ginásio Ipiranga, professor de História
Antiga, Medieval e das Américas na PUC-SP. Ministrou Curso de Extensão
Universitária na PUC de Porto Alegre -RS em 1962, sobre História de Portugal.
Foi um dos fundadores do Centro do Professorado Paulista. Colaborou durante
trinta anos, regularmente em vários jornais paulistas, entre os quais A Gazeta
e o O Estado de S. Paulo.
Fonte.
FERREIRA,
T. L., A História de São Paulo,
Gráfica Biblos Ltda, São Paulo, 1968, 326p.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tito_Livio_Ferreira
Publicado
e editado por Maria Helena de Toledo S. Melo.