sábado, 24 de abril de 2021

DEPOIMENTO DO GENERAL EUCLYDES FIGUEIREDO.

 





“A DEMOCRACIA MORREU HOJE”

 

Transcrição de matéria publicada na revista O Mundo Ilustrado em 14 de julho de 1954, muito atual.

 

Antecedentes Políticos da Revolução – (Do livro Contribuição para a História da Revolução Constitucionalista - 1954).

 

Os que atribuem benefícios para o país como resultados exclusivos da revolução de 3 de outubro de 1930, deixam de considerar a força da evolução, que, normalmente, se ia processando nos nossos costumes políticos e administrativos. Desse ponto de vista pode dizer-se que aquele tormentoso acontecimento da vida nacional constituiu simplesmente um verdadeiro desastre; uma catástrofe, incentivando os aventureiros audaciosos e decepcionando todos que para ela cooperaram com sadias intenções patrióticas. O decantado programa da Aliança Liberal ficou como letra morta, após a vitória da sua pregação; homens de talento, propagandistas ardorosos de ideais alevantados, uma vez alçados, de súbito, ao poder, que chegaram a descrer de alcançar, não souberam, ou não puderam, nele se manter com o prestigio que lhes deu a vitória. Transigiram, transigiram muito; desfiguraram as intenções que proclamavam. E o que ficou foi o desacerto, a quebra do ritmo de um acentuado progresso. Nem as alterações do sistema eleitoral, com o voto secreto, nem as modificações introduzidas na administração pública, nem a insipiente e defeituosa legislação social urbana, cujo grave crime seria o de arrastar para as cidades o homem do campo, nem outras muitas e boas inovações justificam o abalo que sofreu a Nação, com o golpe vibrado contra as suas instituições.

Eram coisas que o tempo, acarretando constantes remodelações, haveria de introduzir nos nossos costumes, dentro da ordem legal, sem abalos, sem violências. No mais, houve que se eliminar e esquecer muitos males, que os seus próprios criadores acabaram, eles mesmos, renegando. Reviveu-se, por força do desenvolvidos acontecimentos, o sábio é muita vez desprezado ensinamento de que o tempo não concorda com aquilo que é feito sem o seu concurso. Destrói os males ou os corrige, é certo; mas deixa, no seu rasto, sulcos que dificilmente, ou nunca, se apagam. Quinze anos de ditadura, com uma ligeira interrupção que nem bastou para tranquilizar os espíritos; desmandos de toda espécie, a permanente propaganda de desmoralização do poder legislativo popular, a violação da independência do poder judiciário, a destruição das liberdades individuais, o estelionato, o peculato, o furto da coisa pública erigidos em norma de vida, são ainda hoje lembrados pelas consequências que deixaram. E, maior crime, que todos, a destruição do sentimento democrático de toda uma geração que, após 1930, aprendeu desde os bancos escolares a vitória sem o mérito e sem a emulação, a conquista de títulos sem estudos, a de cargos sem encargos, a de gozos sem deveres. A volta ao regime constitucional, por um lustro inteiro de prática, não assegurou o restabelecimento da vida normal do país, não restabeleceu a certeza do respeito aos direitos do cidadão, sempre ameaçado pelo fantasma de um novo golpe. Por outro lado, o desencadeamento de campanhas demagógicas, em que as ofertas mirabolantes de paz social, bem estar geral, diminuição do custo de vida, chocam-se com os evidentes interesses dos propagandistas ou com a inépcia em atender aos justos anseios de uma população de que não sei o que mais se admire, se a esperança ingênua ou a paciência sofredora. Ainda há falta de confiança. E serão precisos mais alguns decênios de prática sincera do regime constitucional, para que o povo brasileiro recupere a plena consciência dos seus direitos e aprenda, tateando nas últimas sombras da ditadura, entre erros, incertezas e decepções, a discernir os que o levam à ruína ou à liberdade. O exercício do voto livre para a escolha dos seus mandatários, por muitas vezes repetido, apontando defeitos das leis e corrigindo vícios reconhecidos na prática, só ele será capaz de formar cidadãos capacitados das suas responsabilidades e crentes na sua força para a gestão dos negócios públicos. De cada vez que um eleitorado envia à mesa do executivo ou às suas câmaras um candidato que o decepciona, aprende, pela constatação do erro, a escolher melhor, e usar na seleção verdadeiro critério no conhecimento de valores. Importa também que os partidos políticos, organizados a base de programas mais sedutores que as pessoas de seus chefes e mais realistas que o realismo deles na habilidade de locupletar-se, indiquem à massa eleitoral somente os que estão aptos a exercer o mandato. Toda consideração que não seja atinente ao prestigio próprio, ao mérito, ao caráter, individual, ao saber, à inteligência, à fidelidade aos programas e compromissos partidários, tem que ser religada para plano inferior. É forçoso banir influências colaterais ou ancestrais, e sobretudo a força da situação financeira. O pior de todos os venenos para o eleitorado é o da corrupção o suborno. O voto deve ser livre, nunca objeto de transações.

E não era preciso uma revolução para se chegar a reconhecer isso. Ao contrário do que a lógica ensina, o golpe de 1930 suspendeu o exercício do voto, descendo até a agremiações particulares e, em vez de incentivar os cidadãos ao respeito às leis, fê-los descrer delas, para se tornarem autômatos temerosos do poder exercido pela força. Em todo o país imperou, por muito tempo, a vontade exclusiva dos que se apossaram das posições de mando. De Norte a Sul espalharam os pequenos ditadores, representando ou não o chefe do Governo Provisório, o mais centralizador de todos os governos, mas que nem sempre fazia valer por todos os cantos a sua autoridade. Muitos deles tinham o desejo sincero de uma mudança; mas não estavam intelectualmente equipados para discernir o que devia ser mudado. Criou-se o “outubrismo”, o “tenentismo”, como representantes do espirito revolucionário, os quais muita vez negaram obediência ao próprio ditador. Eles queriam procrastinar, sempre mais e mais o advento da nova Constituição, prolongar o quanto pudessem o regime discricionário, ou mesmo furtar ao povo, desde logo, o direito de governar o país.

Hoje é fácil, vinte e três anos depois, escrever-se todo um ensaio sobre os erros, os crimes, as indecisões, as dissimulações e as desgraças resultantes de 1930. Naquela época, porém, ante o entusiasmo revolucionário de um lado, e a derrota melancólica da legalidade de outro, seria preciso muita fé de espirito, um convicção íntima, muita coragem de desfazer-se de posições, para dizer: “A democracia morreu hoje” – e sai-se a lutar por ela.

 






O General Euclydes de Oliveira Figueiredo foi um dos mais importante comandante da Revolução Constitucionalista de 1932, nasceu no Rio de Janeiro em 12 de novembro de 1883, foi um político brasileiro. Faleceu em Campinas em 20 de dezembro de 1963. Era pai do 30º Presidente do Brasil João Baptista de Oliveira Figueiredo.

 


Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.



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