Neste
texto, escrito por Marcelo de Campos Pereira, filho do Voluntário Clemente
Pereira, ele relata a participação de seu pai na Revolução Constitucionalista
de 1932 e também da sua família, que teve participação na retaguarda.
HISTÓRIA DA FORMAÇÃO
ESCOLAR DE UM CIENTISTA NUM PERÍODO DE TRANSIÇÃO DA CIÊNCIA BRASILEIRA,
título e trecho pertinente à sua participação na Revolução de 32, da entrevista
concedida por meu pai, Clemente Pereira, ao jornal Folha da Manhã, em
11/01/1953.
O cientista, como
cidadão que é, não pode deixar de ter atitude política; do contrário,
transformar-se-ia em mero parasito da sociedade. Em 1932, ao saber, pelos
jornais, dos intuitos da Revolução Constitucionalista, não tive a menor dúvida
em trocar o microscópio pelo fuzil, no Batalhão Fernão Dias Paes Leme (em Cruzeiro, a assim denominada
"Capital da Revolução"), para tentar devolver a liberdade à nossa
terra (o Batalhão Paes Leme, sob o comando do Major
Antonio Pietscher, que atuou por todo o Setor Leste, inclusive nas batalhas de
Eleutério e Gravi, é considerado um reduto de heróis, um dos que cobriram a
Bandeira das Treze Listas de glórias no ano de 1932).
Para
quem não sabe, os primeiros batalhões paulistas que seguiram para o "Setor
Leste" ou a "Frente Leste", tiveram seu "batismo de
fogo" já na primeira semana de guerra. Segundo relatos historiográficos,
os conflitos ocorridos naquela região foram os mais longos e violentos,
tornando as imagens relativas a essa frente de batalha umas das mais
representativas da Revolução Constitucionalista de 1932. O Batalhão Fernão
Dias, formado por voluntários e organizado pelo Dr. Fernão Salles, havia
entrado em Ouro Fino - MG sob o comando do capitão Antônio Pietscher, o grande
herói do Setor Leste, cantado em prosa e verso e assíduo frequentador da casa
de meus avós, na Rego Freitas, número 35.
PAULISTAS
ÀS ARMAS!!!!!!!!!!!
Em
1932 toda minha família engajou-se, pela defesa dos ideais constitucionalistas
e de nosso Estado. Infelizmente, hoje, falta idealismo no país, um sentimento
que poderia nos levar a pensar no coletivo em primeiro lugar. Lamentavelmente,
prevalece entre nós um equivocado espírito de salve-se-quem-puder. Uma atitude que
nos faz considerar fora de moda valores como patriotismo e nacionalismo, sempre
necessários e sadios, desde que não confundidos com ufanismo, e essenciais para
a união de qualquer país em torno de objetivos comuns, seja na guerra, seja na
paz.
Na
ocasião, meus pais estavam noivos. Minha família materna é de Jundiaí e, em 32,
minha mãe, a mais velha de seis irmãos, lá residia com eles e meus avós. Em julho, ao ser deflagrado o conflito, meu pai, que morava em São Paulo (no antigo Viaduto do Chá), partiu para a cidade de Cruzeiro, onde
permaneceu até o término da Revolução, em outubro. Minha mãe, em Jundiaí,
juntamente com as mulheres da sociedade local, ajudava na confecção dos
uniformes e dos agasalhos. Um dos irmãos da minha mãe, Moacyr Santos
de Campos, então com 18 anos, partiu para a frente de combate, sem titubear. Meu avô, João Firmino de Campos, farmacêutico em Jundiaí e Chefe das
Farmácias da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, foi Presidente da Casa do
Soldado, visitando constantemente as frentes de combate, levando
correspondência, medicamentos, agasalhos, cigarros, alimentos, enfim, sempre
procurando levantar a moral dos soldados através de sua palavra, espiritualista
convicto que era, além de ter pertencido aos mais altos escalões da Maçonaria.
Um dos irmãos mais novos do meu pai, João Pereira Júnior, com 20 anos e no
segundo ano de Medicina, segue para o front, sob as bênçãos dos meus avós.
Outro irmão, Rodovalho Pereira, então com 16 anos, ficou para cuidar da mãe e
da irmã, pois meu avô viajava com frequência.
Meu
pai, recém-formado em Medicina - mais uma vez destaco o trecho de sua
entrevista -, não teve a menor dúvida em
trocar o microscópio pelo fuzil, no Batalhão Fernão Dias, para tentar devolver
a liberdade à nossa terra. Na penúltima fotografia, meu pai, Clemente Pereira, em
Cruzeiro, é o único de poncho. Esse Batalhão, sob o comando do Major Antonio
Pietscher, que atuou em todo Setor Leste, inclusive nas batalhas de Eleutério e
de Gravi, é considerado um reduto de heróis, atuando como ponta de lança contra
as forças federais getulistas do Rio de Janeiro. A formação médica do meu pai
permitiu que inúmeras vidas fossem salvas e, quando necessário foi, empunhou
suas armas. Hoje é considerado um dos heróis de 32, fazendo jus à homenagem
prestada pela Prefeitura de São Paulo junto ao túmulo familiar, no Cemitério da
Consolação, preservada, tanto através da tag QR CODE como pela placa
de identificação. Como dizia Albert Szent-Gyorgyi (1893 - 1986), Prêmio Nobel
de Medicina de 1937: Se quisermos olhar e
enxergar à frente, devemos olhar para trás.
Textualmente,
em carta dirigida à sua irmã Alice, ao relatar esse fato, diz: Já passei a primeiro sargento 'por ato de
braveza', mas sem fazer nada de especial. Em situações de alto risco à sua
própria integridade, sua imensa e patente modéstia ficou registrada. Em
correspondência à minha avó, relatou que tinha sido promovido por atos de
heroísmo...e que recusou a honraria por achar que apenas cumpria sua obrigação
de paulista...geração de têmpera forjada em aço.
Tradições
democráticas de São Paulo, que foi grande porque sempre quis que o Brasil fosse
grande... De Mogi a Cruzeiro, no Túnel, em Silveira e em todas as frentes de
combate, o paulista, lutando contra todas as vicissitudes, contava apenas com o
apoio material restrito que lhe era fornecido e também com o formidável apoio
moral que lhe deu o povo bandeirante. Essa singela e emocionante carta, valiosa
relíquia de 32, retrata o apoio de um funcionário do Instituto Biológico de São
Paulo, Jayme Ferraz, aos seus amigos, por acaso seus chefes no Instituto, meu
pai, Clemente Pereira e o futuro idealizador da UNICAMP e da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto, Zeferino Vaz, que participavam como médicos voluntários
no Batalhão Fernão Dias Paes Leme, em Cruzeiro. Suas palavras
retratam a preocupação para com seus amigos e o ardoroso clima de patriotismo
vigente. Paulistas, antes de tudo.
Em
razão da convulsão social, os correios funcionavam precariamente. Meus pais
trocaram extensa correspondência, boa parte perdida sabe-se Deus onde. Hoje
faço questão de divulgar uma das cartas. Muito mais
do que algo estritamente pessoal, hoje, após 86 anos, as mensagens tornaram-se
parte da história do Estado de São Paulo e, por extensão, do Brasil. Mostram o
clima de ansiedade, de preocupação e de intenso patriotismo vivido por um casal
apaixonado, em tempos de guerra. Espelha o retrato de uma época, num
determinado e decisivo momento. A belíssima e inconfundível caligrafia da minha
mãe, a delicadeza das colocações, a demonstração do amor maior vivenciado pelo
jovem casal, tudo isso integra o patrimônio dos paulistas e dos brasileiros.
Que frutifique sempre o exemplo deixado por eles. Que o espírito de 32 inspire
os jovens de hoje!!!
Na foto, a placa que era colocada no batente da porta de entrada das casas
dos constitucionalistas (no caso, na casa dos meus avós, em Jundiaí) e o
"pin" usado na lapela do paletó (um dos modelos).
Ao
som da marcha Paris-Belfort foi noticiado o falecimento dos quatro primeiros
heróis constitucionalistas: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo (MMDC).
Durante todo o período da Revolução Constitucionalista, no horário das 2 às 4
horas da madrugada, notícias sobre o desenvolvimento da revolução e mensagens
de civismo, com aclamação do espírito patriota conseguiam contornar a censura
de Vargas e chegar aos lares paulistas.
Capacete, o Diploma e Medalha de Participação da
Revolução de 1932 de Clemente Pereira
Clemente no Viaduto do Chá, São Paulo, SP. |
Publicado,
texto e fotografias, com autorização do autor – Marcelo de Campos Pereira.
Editado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.