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Como Superintendente Geral da M.M.D.C., teve o Sr. Luís de Toledo Piza Sobrinho um relevante papel na Revolução de 1932. |
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RESULTOU DE UM IMPULSO NATURAL DOS PAULISTAS A FORMAÇÃO DA M.M.D.C.
Decorridos 25 anos da eclosão do Movimento revolucionário amainaram as paixões humanas, os homens que nele tomaram parte – então jovens e cheios de vigor, audaciosos, intrépidos, valentes – amadureceram o seu espírito. Os mais idosos encaneceram e muitos despareceram da cena da vida, transmitindo aos filhos, nas tertúlias do lar, antes de fechar os olhos, para sempre, os gloriosos fatos dos idos de 32, para que deles se honrassem, enrijando o caráter de reto cidadão que nasceu para ser livre.
Tais palavras pronunciou-se o Sr. Luís de Toledo Piza Sobrinho, ao evocar, em conferência pronunciada no Instituto Histórico, as causa e episódios da Revolução.
Tendo sido Superintendente – Geral da M.M.D.C., o atual Presidente da Sociedade Rural Brasileira prestou seu depoimento imprescindível para os estudiosos do Movimento Constitucionalista.
Após analisar as causas e efeitos da Revolução de 1930, referiu-se à posição assumida pelos paulistas.
E Toledo Piza Sobrinho relata:
OPRESSÃO DE SÃO PAULO
São Paulo era o bastião da Democracia. O único ponto que falhava nos planos ditatoriais instalados no Rio de Janeiro.
Foi então, que começou o trabalho destinado a eliminar os focos de possível oposição às ambições do fronteiriço. Os complexos dos homens da Ditadura, ante o progresso material e cultural de São Paulo, era um fator de incentivo ao propósito indisfarçado do caudilho que empolgara a direção máxima do País.
Assistimos, então, os seus ingentes esforços, visando à destruição daquilo que, com trabalho e sacrifícios, havíamos construído em nossa terra. A S. Paulo, o Estado mais próspero, mais culto da República, não se concedera, sequer, a autonomia que sempre gozara. Tentava-se o nivelamento das Unidades da Federação, pelo seu estalão mais baixo. Com isso, evidentemente, os paulistas não podiam conformar-se. E a sua repulsa veio logo que se positivaram os intentos do governo central e se revelaram infrutíferas as diligências para corrigir essas diretrizes.
Passamos a reclamar a constitucionalização do país, que significava, ao mesmo tempo, o afastamento do caudilho que manifestamente queria perdurar no Poder. Em torno dos nossos ideais, houve a união significativa e eloquente de todos os paulistas de nascimento ou de coração. Nunca se viu, em nossa história, demonstração tão veemente de identidade de princípios e de propósitos. Das elites aos operários, todos se congregaram para combater a imoralidade política. Vimos nesse instante, o governo, na pessoa de Pedro de Toledo; a igreja na pessoa do Arcebispo D. Duarte; o Judiciário, na pessoa dos Ministros dos Tribunais, dos Juízes e dos membros do Ministério Público; as classes conservadoras, por todas as suas entidades; intelectuais, estudantes – enfim, homens e mulheres de todas as condições sociais, de todos os credos políticos e religiosos, de todas as profissões e de todas as nacionalidades, realizarem uma verdadeira união sagrada, para evitar que o Brasil afundasse na anarquia.
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Todas as camadas da população se irmanaram no movimento que empolgou São Paulo. Até crianças (escoteiros, prestaram a sua colaboração valiosa). Nas fotos aparecem um grupo de escoteiros desfilando diante da atual Polícia Central e estudantes do Instituto Caetano de Campos durante uma parada.
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A AÇÃO DA M.M.D.C.
A veemência e o orgulho com que falarei da M.M.D.C., que não sejam tomados como destinados a ressaltar o trabalho deste modesto colaborador. Refletem, isso sim, a nossa admiração pela coragem e abnegação dos homens, mulheres e crianças que, na retaguarda, trabalharam pela vitória dos ideais do Movimento, levando aos fronts um pouco de conforto, os elementos de luta, o calor do seu reconhecimento e do seu afeto aos heroicos soldados de 32.
A formação da M.M.D.C. resultou de um impulso natural, que reuniu a população paulistana, nas primeiras horas revolucionárias. Inicialmente, não possuía direção – o seu trabalho era orientado pela compreensão de cada membro. Mas, depois, com o seu rápido crescimento, com a multiplicação de seus compromissos, deliberou-se dar-lhe uma Constituição que melhor pudesse caracteriza-la e aproveitar os esforços dos que dela participavam, ou seja, de todo o povo que não pode seguir para a frente de batalha.
A primeira vez que a corporação apareceu publicamente, com a denominação de M.M.D.C., possuía o seguinte Conselho Diretivo:
Silvio de Campos, Prudente de Morais Neto, Carlos de Souza Nazaré, Antônio Pereira Lima, Antônio Carlos Pacheco e Silva e Aureliano Leite, tendo como assessor técnico militar o Capitão Antônio Pietcher. Com a saída de Aureliano Leite e Pereira Lima, que partiram para o campo de luta, desdobrou-se o Conselho em Comissão da Capital e Comissão do Interior. Naquela ficaram os remanescentes, e esta passou a ser composta pelos Srs.: Júlio de Mesquita Filho, Antônio Carlos de Abreu Sodré, Joaquim Caledônio Filho, Elias Machado de Almeida, Cesário Coimbra, Jaime Leonel, Mário Bastos Cruz, Abelardo Vergueiro César, Alarico Soares Caiubi e Luís Piza Sobrinho.
Finalmente, o governo Revolucionário de São Paulo oficializou, por decreto a M.M.D.C., entregando a sua direção, subordinada à Secretaria da Justiça, ocupada pelo Prof. Waldemar Ferreira, a um decenvirato assim constituído e que vigorou até o término do Movimento: Prudente de Morais Neto, José Cassio de Macedo Soares, Leven Vampré, Antônio Carlos de Abreu Sodré, Oscar Machado de Almeida, Silvio de Campos, Antônio Carlos Pacheco e Silva, Alarico Soares Caiubi, Carlos de Souza Nazaré e Luís Piza Sobrinho.
No decorrer da Revolução, desdobrando-se a corporação em numerosos departamentos, impôs-se a eleição de um coordenador dos diferentes serviços. Reunido o Conselho Geral, por proposta do conselheiro Antônio Carlos de Abreu Sodré, fomos distinguidos com o cargo de Superintendente Geral.
Os vários serviços criados com a guerra, tiveram como chefes o Srs.: Horácio Rodrigues e Vicente de Barros Junior – transporte; Ten. Benedito Serpa – comando militar; João Felizardo e José França – propaganda; Campos Melo – engenharia; Breno Ferras do Amaral – alistamento; Arlindo Pacheco – assistência às famílias; Raul Didier – assistência aos refugiados; Aristides Macedo Filho – almoxarifado; e Fábio da Silva Prado – fardamento. Houve outros departamentos dirigidos pelos Srs.: Francisco Paula Magalhães, Corinto Goulart, Aristides Toledo, Horácio Silveira, Lauro Cordeiro, Altino Castro Lima, Firmo Vergueiro, Lauro Celidônio, Paulo Arantes, Renato E. Souza Aranha, Edmundo Borges Carneiro, Cassio F. Aranha, Henrique Lefevre, C. D’Agostinho, Edgar Azevedo Soares, Rafael Lambertini, J.J. Pereira Braga, Gabriel Monteiro da Silva, Teotônio Toledo Lara, Luís Delamain Junior, Leonel Rezende, Aristides Pereira Campos, Maércio Munhós e Tiburtino Mondim.
ESQUEMA E ORGANIZAÇÃO.
Estava a M.M.D.C. esquematizada e organizada da seguinte forma:
Ao alto, assumindo a suprema direção e comando, o Conselho Geral.
Logo após, as três grandes secções diretoras: - a Direção Geral do Abastecimento, a Intendência Geral e o Departamento de Finanças.
À Direção Geral do Abastecimento competia dirigir, em geral, os serviços de alimentação das tropas em formação, e de assistência aos soldados nas diversas frentes de combate. Subdividia-se nas seguintes secções:
a) Alimentação;
b) Fardamentos e Equipamentos;
c) Donativos;
d) Compras;
e) Departamento Central de Donativos em Mercadorias.
À Intendência Geral, incumbia promover a distribuição, atendendo às exigências de fornecimento de alimentação e equipamentos às tropas em concentração, e satisfazendo, ao mesmo passo, as necessidades para a assistência às famílias dos combatentes e dos próprios soldados em todos os setores. Compunha-se das seguintes secções:
a) Almoxarifado, com nove postos em São Paulo e mais um de equipamentos para soldados em trânsito e três postos, no interior, em Lorena, Itapetininga e Cruzeiro;
b) Distribuição e cozinha;
c) Cozinha da Escola Profissional Feminina;
d) Departamento de Assistência à Família dos Combatentes, que prestou relevantes serviços e mantinha 20 postos disseminados por toda a cidade onde, abnegadamente, trabalhavam as senhoras da L.S.C. (Liga das Senhoras Católicas).
Finalmente, completando a organização, os Departamentos especializados, a saber:
I - Departamento de Engenharia, providenciando sobre transportes, reparos e adaptação dos prédios ocupados pelas tropas e controlando a gasolina.
II – Departamento de Saúde e Assistência, prestando assistência médica e farmacêutica aos soldados e suas famílias. Aqui convém assinalar que os Postos de Vacinação, em todas as concentrações, onde se faziam vacinas preventivas contra varíola e antitíficas, e os serviços médicos perfeitos, ali organizados, onde se chegou a cogitar da classificação dos soldados, pelos respectivos grupos sanguíneos, fazendo-se o competente lançamento na caderneta, na previsão da hipótese eventual de uma necessidade ulterior de transfusão de sangue, de que viesse a participar o voluntário, não só recebendo, como oferecendo sangue.
III – Departamento do Correio Militar, promovendo a entrega de correspondência aos soldados, nos diferentes setores. Obteve logo o serviço um sucesso espantoso, pela rapidez com que era executado, alcançando formidável desenvolvimento. São, aliás, evidentes os benefícios do Correio Militar. Basta ponderar o efeito moral, que tem sobre a tropa, o recebimento de uma palavra ou de uma oferta dos seus. Assim, iniciando-se os serviços com 7 malas diárias, esse número foi progressivamente, aumentando, já pelas facilidades oferecidas, já pela formação de novas frentes de combate.
IV – Departamento de Propaganda e Mobilização, compreendendo quatro secções a saber:
a) Secção de Alistamento na Capital;
b) Secção de Alistamento no Interior;
c) Secção de Publicidade;
d) Secção do Boletim, que diariamente se publicava.
V – Departamento dos Serviços Auxiliares, em que se fez o fichamento para controle de todos os serviços auxiliares de guerra, a cargo da M.M.D.C. Neste departamento trabalhavam técnicos especializados, que, voluntariamente, se ofereceram para servir.
VI – Departamento Militar, composto das seguintes organizações:
a) Centro de Preparação Militar, proporcionando instrução militar aos voluntários, com vários campos de concentração em São Paulo e no Interior;
b) Material Bélico, arrecadando e distribuindo armamento e munição;
c) Curso de Oficiais de Emergência;
d) Guarda do Q.G. da M.M.D.C.;
e) Batalhão “Santos Dumont”, fornecendo os guardas necessários às demais instituições;
f) Departamento do Pessoal em Operações, organizando fichas informativas de todos os voluntários, não só dos que combatiam nas várias frentes, como dos que, nas concentrações, recebiam instrução.
PAPEL DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL.
Cumpre-nos ressaltar, nesse passo da nossa posição, o papel relevante que desempenhou no movimento de 32, a Associação Comercial de São Paulo, das primeiras entidades de classe a orientar os seus esforços no sentido de auxiliar os serviços de retaguarda.
Solidária desde logo, com a causa da lei, como o fez sentir em oficio dirigido ao Governador do Estado, concentrou em benefício dela, a notável capacidade de seus dirigentes, dedicando-lhe, com proveitos que superaram qualquer expectativa, a enorme influência, de que dispunha, em todos os meios.
Foi, aliás, uma das grandes colunas que se apoiou a M.M.D.C. de cujo conselho era Magna para o próprio Presidente da Associação Comercial.
Basta dizer, colhendo informações recolhidas no precioso livro de Benjamim de Oliveira Filho, intitulado M.M.D.C., publicado em 1932, que aquela tradicional Associação, criou 17 departamentos auxiliares de guerra, ligados à M.M.D.C., entre os quais se destacavam: uma Comissão incumbida de encaminhar a solução de todas as medidas tendentes a assegurar a normalidade da vida do Estado; Direção Geral do Serviço de Recebimento e Distribuição de ofertas e donativos para o Movimento Constitucionalista, compreendendo várias secções; Serviço de Requisições e Compras da M.M.D.C.; Departamento de Preços de Artigos Tabelados; Departamento do Capacete de Aço; Departamento da Campanha do Ouro para o Bem de São Paulo, etc. Outra instituição benemérita que assinalados serviços prestou à Campanha, foi a Liga das Senhoras Católicas.
Dela disse, na obra citada, Benjamim de Oliveira Filho:
Na vasta organização guerreira e administrativa da M.M.D.C., em que elas se integravam, representavam as Senhoras Católicas, a caridade esclarecida dos paulistas, os seus grandes sentimentos de altruísmo, cimentados através de uma tradição, que vem de longe e que se prende às nobres figuras dos missionários fundadores da Paulicéia.
Em 20 postos, dividida, criteriosamente, a cidade em 20 setores, desenvolveram-se com exatidão absoluta os seus trabalhos, obedecendo a métodos rigorosos de organização e funcionamento.
Um serviço de fichas permitia o controle e evitava abusos. Quadros demonstrativos, estatísticas e balanços periódicos facilitavam a tarefa, para que tudo fosse feito, da melhor maneira e nunca nada viesse a faltar.
Só para isso, mais de 600 senhoras se mobilizaram.
E prossegue adiante:
Segundo relatório publicado em 31 de agosto, haviam já os postos de cozinha fornecido, até aquela data, 139.090 refeições. O número de famílias, matriculadas nos postos de assistência, elevava-se a 21.573, havendo já sido atendidas 83.650 pessoas, as quais foram prestados serviços de toda ordem. As oficinas de costura tinham já aviado 67.524 peças de fardamento, 52.823 peças de roupas brancas e agasalhos, 3.223 peças de roupas de cama e 121.227 compressas, tampões e ataduras.
Finalmente, o número de senhoras arregimentadas elevava-se a um total de 1.525.
Originalmente a M.M.D.C. instalou-se na Faculdade de Direito, passando, logo após, para o antigo Edifício do Fórum, situado na rua do Tesouro, esquina da rua 15 de Novembro. Com a ampliação dos departamentos e serviços, houve a necessidade de se escolher um local mais espaçoso transferindo-se a corporação, por isso, para o Edifício da Escola de Comércio Alvares Penteado, no largo São Francisco – o já famosos território livre dos estudantes da velha e gloriosa Academia de Direito – onde nosso povo demonstrou exuberantemente que as causas patrióticas sempre terão aqui a mais franca acolhida.
OURO PARA SÃO PAULO.
É preciso destacar alguns aspectos dos sacrifícios a que se impôs a nossa população para auxiliar os revolucionários de 32, embora seja impossível referir todas as manifestações heroicas e altruísticas surgidas na magnifica epopéia que vivemos.
Uma delas está refletida no atendimento ao apelo do Ouro Para o Bem de São Paulo. Lançada a Campanha, em menos de 20 dias foram trocadas mais 10 mil alianças e recebidos pelos bancos cerca de 30 mil donativos.
Cidadãos das mais diferentes nacionalidades e posição social despojavam-se orgulhosamente de suas, muitas vezes valiosíssimas jóias de família, de suas baixelas de prata, de suas alianças de casamentos, para concorrer ainda mais para a vitória da causa em torno da qual todos, se congregaram. Era de se admirar o orgulho com que essas pessoas exibiam seus anéis de prata com a inscrição Dei Ouro Para O Bem de São Paulo. Terminada a Revolução, ainda hoje, esse símbolo de solidariedade a uma causa nobre é guardado, em muitos lares, como uma relíquia de que toda família se envaidece.
Graças a esse esforço – que se observa em todos os sentidos para onde fosse dirigidos os apelos públicos – foi possível a São Paulo sustentar galhardamente a luta contra os seus opressores, contra os opressores do povo brasileiro.
O QUE DISSE GÓIS MONTEIRO.
Para se ter uma ideia da cooperação do povo com a finalidade de manter aceso os ideais sagrados e auxiliar os soldados que se encontravam no campo de batalha, vamos transmitir-lhes o depoimento insuspeito e valioso do General Góis Monteiro, o Comandante em Chefe das operações bélicas do Governo Ditatorial.
Alguns anos depois da Revolução, almoçando no Rio de Janeiro, com diversos amigos, na residência do bravo Major Otelo Franco, que abandonara as tropas ditatoriais para incorporar-se às forças constitucionalistas, presente o General Góis Monteiro, ouvimos deste militar, que o fato que mais admirara nos paulistas em 32, fora o seu notável, extraordinário espírito de organização. Os paulistas – disse o General Góis – revelaram possuir um serviço de intendência militar surpreendentemente perfeito, melhor do que o próprio exército regular do país. Os soldados que fazíamos prisioneiros, bem alimentados e altivos estavam rigorosamente vestidos e calçados, possuíam abrigos contra o intenso frio reinante, ao passo que os soldados do governo federal na maioria nortistas, habituados ao clima quente, iam para o campo de luta com uma farda que não os protegia dos rigores do tempo e muitos deles descalços. Sabido é que 50 por cento da eficiência de um exército está no seu serviço de intendência.
Esse depoimento do General Góis vem exaltar, precisamente, o trabalho da M.M.D.C., onde se concentrava a contribuição material do nosso povo, para a causa revolucionária.
A ação patriótica e de benemerência da M.M.D.C., não se limitou, porém, aos longos e cruciais dias de luta armada. Terminada esta, presos e depois exilados no estrangeiro, os seus principais chefes, continua a organização, a amparar aqueles que nela tão heroicamente se empenharam. Basta dizer que, numerosos oficiais do Exército, desterrados do País, foram, com suas famílias, durante todo o tempo de seu afastamento da tropa, mantidos pelos remanescentes da M.M.D.C. que aqui ficaram.
É um caso singular, jamais verificado no término das revoluções vencidas. Honra e dignifica a gente paulista.
VENCIDOS, VENCEREMOS...
A Revolução Constitucionalista, após três meses de dura e desigual luta contra forças das guarnições do Exército e Policias Militares de todos os Estados do Brasil, exceto São Paulo, não teve um fim melancólico, como sói acontecer com a generalidade das revoluções. Fomos vencidos pelas armas, não pelo número, que os nossos, mesmo quase desarmados, soldados ou voluntários, cada um pela consciência da causa porque se batia, valia por dez ou cem ditatoriais.
Tanto assim foi, que os vencedores, passado a refrega, não sabiam o que fazer da vitória... As suas tropas não procederam à ocupação do território paulista, como em 30. Os tímidos contingentes que aqui chegaram, foram testemunhas da postura altiva, de dignidade da nossa gente, atitude que não se compadecia com a de um povo vencido!
Só dez dias após a posse do delegado militar da ditadura no governo do Estado, foram os chefes do Movimento Constitucionalista gentilmente convidados a embarcar para o Rio, a fim de recolher-se à prisão.
Primeiro partiram o grande Governador da Revolução, Pedro de Toledo, e seus secretários, num trem noturno, da Estação do Norte.
Jamais assistiu São Paulo a igual manifestação popular, mais concorrida e mais entusiástica, entre vivas a São Paulo, à Constituição, a Pedro de Toledo e morras a Getúlio Vargas e à Ditadura!
Nenhuma repressão a atitude do povo aliás, impossível naquelas circunstâncias, pela imprudência e graves consequências para quem a tentasse.
No dia imediato, deveria seguir a segunda turma, da qual fizemos parte, constituída dos demais chefes civis e militares.
Houve então, diferente procedimento da parte do chefe de polícia recém empossado, Coronel Cordeiro de Farias. Convidou-nos, atenciosamente, pelo telefone, a comparecer à Policia Central, às 9 horas da noite, para daí, tomar destino.
A hora aprazada, encheu-se o salão nobre da Polícia Central, presentes, entre os viajantes, Altino Arantes Pádua Salles, Ataliba Leonel, Júlio Mesquita Filho, Guilherme de Almeida, Pereira Lima, Aureliano Leite, Silvio de Campos, Cesário Coimbra, Francisco Mesquita, Osvaldo Chateaubriand, Antônio Mendonça, Casper Libero, Carlos Nazareth, Oscar Machado de Almeida, Prudente de Morais Neto, Leven Vampré e outros.
às 10 horas, apareceu, muito amável, cumprimentando – nos, a todos, o Coronel Cordeiro. Disse-nos que deveríamos embarcar na Estação Carlos de Campos (antiga Guaiaúna) subúrbio da Central, em trem ali postado com destino ao Rio.
Perguntou-nos, afavelmente, se tínhamos condução. Como respondêssemos afirmativamente, desejou-nos boa viagem...
Ao descermos a escadaria do edifício, para ganhar a grande porta, que dá para o Pátio do Colégio, esperava-nos na Praça uma vultuosa multidão, achando-se junto à saída da Polícia, numerosas senhoras, entre as quais, as família dos viajantes.
Ao sairmos, para tomar os automóveis que nos aguardavam, fomos cobertos de pétalas de flores, e os populares estrugiram em aclamações, Vivas a São Paulo, à Constituição e Morras à Ditadura e ao Ditador.
Nesse momento, um latagão de capa espanhola (que depois soubemos se um gaúcho, que viera na mochila da Revolução de 30, em companhia do Sr. Getúlio Vargas) empunhando um fuzil metralhador, ameaçou abafar o entusiasmo do povo, a tiros de sua arma.
Foi providencialmente contido no seu ímpeto assassino, por um Tenente que se encontrava próximo, enquanto a multidão, então enfurecida, continuou, a manifestar-se com redobrado clamor de vivas e morras.
Deixamos a cidade em direção ao subúrbio, numa fila interminável de automóveis.
Ao passarmos pela Avenida Rangel Pestana, em frente à Estação do Norte, pudemos ver uma enorme massa popular que supunha que nosso embarque se daria naquele local.
Não surtiu efeito o despistamento da chefia da Polícia, mandando que tomássemos o comboio numa estação do subúrbio, a fim de evitar que se repetissem as manifestações da véspera, aos membros do Governo Revolucionário.
Grande Parte dos que se encontravam na Estação do Norte, em seus carros e taxis, acompanhou nosso cortejo.
Em Carlos de Campos, o numeroso público, que ali se reuniu, manifestou-se entusiasticamente à nossa partida.
A SEMEADURA DO 9 DE JULHO.
Depois... a história é mais recente.
A semeadura do 9 de Julho, regada pelo sangue de nossos bravos, brotou em fartas messes na consciência, na alma do povo paulista.
Marcadas as eleições constituintes em 33, formou-se a Frente Única por São Paulo Unido, elegendo 17 deputados, dos 22 que formavam a bancada de nosso Estado.
A malícia, a corrupção tentada pelo General interventor que presidia o pleito, encontrara ainda vivo o sentimento de dignidade e civismo de nossa gente, a despeito de exilados no estrangeiro e cassados os seus direitos políticos, os principais chefes dos antigos partidos militantes do Estado.
A unidade instintiva do povo paulista, que realizou a epopéia das armas, completou-se na expressiva manifestação das urnas.
E em consequência, curvou-se a Ditadura ante a verdade inquebrantável da velha estirpe bandeirante formalizando a investidura do nosso almejado governo civil e paulista, na pessoa insigne de um dos grandes organizadores do Movimento – o estadista que ia revelar-se, Armando Salles de Oliveira.
Estavam assim, integralmente vitoriosos os dois postulados do 9 de Julho de 32: a constitucionalização e o governo próprio.
O caudilhismo, qual hidra de sete cabeças, porém, teve, apenas, morte aparente.
Anestesiou-se durante pouco mais de três anos, e ressurgiu mais terrível e arrogante na revanche de 10 de novembro de 37, infectando, corroendo, por quase dois lustros, o organismo e a consciência nacionais, ainda hoje enfermos.
Concluo, paulistas, com uma interrogação:
Quando ressurgirá, dos bolores da terra de Anchieta, e milagroso e enérgico antibiótico de um novo 9 de Julho?
Este depoimento, transcrito acima, foi publicado pelo jornal Diário da Noite, em Edição Especial de aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932, em 09 de julho de 1957.
Reconhecendo o extraordinário espírito de organização dos paulistas, o General Góis Monteiro afirmou: "Os soldados que fazíamos prisioneiros, bem alimentados, estavam rigorosamente vestidos e calçados". As fotos mostram voluntários em desfile, nas ruas centrais da Capital.
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As legendas, das fotografia, são originais publicadas no jornal "Diário da Noite, ilustrando a matéria.
Editado e publicado por Maria Helena de Toledo Silveira Melo.
11/12/2018.